sábado, 27 de novembro de 2010

Balanço





Passada a temporada de shows de Paul McCartney no Brasil, fico a observar alguns suplementos culturais de nossos jornais.

Certa feita, cheguei a escrever que não aguentava mais ouvir o artista tocar Yesterday, Hey Jude e Let it be.

Hoje, ao ver o público de jovens e mais velhos no Morumbi, me impressiona a vitalidade dessas músicas, sua capacidade de encantar novas gerações, estabelecendo um diálogo intergeracional.

Isso não se restringe, claro, à estratégias de mercado, ao fetichismo do mito, etc. Os clássicos de Paul são modernos, o que não deixa de ser uma redundância.

Todo grande clássico é moderno. Enquanto o que se diz moderno, mas não é tão bom, já é feito para durar pouco, tão logo envelhecendo. A estratégia da obsolescência programada. A máquina precisa girar.

Os celulares são cada vez mais “inovadores”. Aquele que não possui o último modelo é tido como velho, pessoa ultrapassada. O dito “novo”, já nasce velho, pois tão logo será substituído pelo próximo, e daí por diante...

As músicas, os filmes, em sua maioria, precisam muitas vezes aparentar esse ar modernoso de novidade. Nesse fetichismo do “novo”, são esquecidos rapidamente, ou lembrados em reminiscências vergonhosas.

A grana precisa circular a um ritmo incomparável como o tempo.Precisamos do “cálice da juventude”. Alguns não saem das academias. Corpos são cada vez mais “inovadores” e seguem prontos para campeonatos de “beleza e força” para, tão logo, serem jogados “no lixo” da mesmice programada.

Falamos muito em ecologia. Se eu e um cachorro estivermos acidentados na rua, a Sociedade Protetora dos Animais certamente salvará meu amigo de outra espécie.

Falamos em natureza, crescimento sustentável.Dizemos para jogar papel no lixo, o que é uma boa, claro.
Mas, substituindo os produtos com tanta rapidez, num processo de contínua descartabilidade, para onde iria tanto lixo tóxico?

O (ex) vice da candidata Marina é também dono da empresa de cosméticos Natura. Produtos feitos, segundo a empresa, como forma de respeitar o equilíbrio ecológico.
Mas ao preço de uma das mais intensivas precarizações de trabalhadores que há no país. A região Norte nos guarda inúmeros “mistérios”.
A natureza nos importa mais do que quem trabalha de forma escrava.

Voltando um pouco agora para Paul McCartney, que também é conhecido hoje como um ecologista, embora em uma entrevista não me tenha parecido xiita.

Será lembrado, em todo caso, como um dos principais compositores do século XX.

Sabe-se que Yesterday é a música mais regravada no mundo.Ok.
O que importa, de fato, é que seja a primeira canção dos Beatles a investir ousadamente em belíssimas cordas.

Let It be é um spiritual pop de primeiríssima, com belíssimos vocais ao fundo, independente do número de vezes que foi interpretada.
Hey Jude não chegou a ser estragada por Kiko Zambianqui.
Na versão dos Beatles, guarda muito da herança negra, com gana e garra.
Kiko até tentou, mas não será jogada no lixo.

De minha parte, não me importaria se Beethoven executasse ao vivo, para grande platéia, sua Quinta ou Sétima Sinfonia. Nem menos a Nona, de que gosto menos, mas ainda acho que cairia bem.

Não é todo dia que o próprio compositor pode interpretar suas músicas no Brasil. McCartney só veio por três vezes ao país, contando essa última. E seus clássicos são modernos(a redundância de novo).

Não acharia estranho se George Gershwhin interpretasse Sumertime ou Not for me em um show. Até gostaria.

Nem que Tom Jobim executasse Wave. Richard Rodgers, Blue Moon ou My Funny Valentine. Sinatra interpretasse I ´ve got you under my skin, de Cole Porter. Ary Barroso, Aquarela do Brasil ou Burt Bacharach, Walk on by. Não é todo dia que se pode ouvir coisas como essas ao vivo.

Embora lamente nunca ter ouvido McCartney tocar :

Dear Boy (do disco Ram), Uncle Albert/Admiral Halsey (do mesmo), Tug of War, Dress me up is a robber ( Tug o War), Mr.Bellamy ( Memory Almost full), Raise the Raindrops, About you ( Driving Rain), The World Tonight, Sumedays, Beautiful Night ( Flaming Pie), Surten Softness, No More Rain( Chaos and Creation), Pipes of Peace, Average Person(Pipes of Peace), Listen to What the man said (Venus and Mars), entre outras.

Um articulista da Folha, intitulado como crítico de música refere-se à Blackbird e The Long and winding road, executadas no show, como “deslizes bregas dos Beatles”.
Trata-se do mesmo crítico que considera a banda Oasis melhor do que a dos nascidos em Liverpool.

Quanto a The Long and winding..., pode-se até repetir, como papagaio, que Phil Spector exagerou na orquestração, feita à revelia da banda.
Verdade ou não, a música mesmo permanece ao longo do tempo com brio. Não como catálogo, rótulo “pop”, ou rock/pop”, mas como música.

Blackbird talvez seja uma das principais faixas do Álbum Branco, assim como Martha my dear ou Sexy Sadie.

Sempre me pergunto a respeito do que teria ocorrido com os ditos suplementos de “cultura” do país, que parecem delegar críticas a quem parece ter pouco ouvido música na vida. As matérias cada vez mais supérfluas, ao falar em música, ou outra coisa.
Não se trata de ser especialista em um estilo.(Independente das preferências do “crítico”, claro, o que é mais que compreensível).

A resposta talvez seja que, tal como celulares no mercado, elas precisam parecer “chocantes”, tanto quanto igualmente descartáveis.


Ps. Já consta no repertório de McCartney, Ram On, espécie de lindo “mantra” presente no disco Ram, Mrs. Vanderbilt, provavelmente a melhor faixa de Band on the Run e, de um tempo para cá, Here Today, um dos destaques de Tug of War, que foi chamada de "adocidada" por um "crítico de música".
Tão "adocicada" quanto My Funny Valentine.

2 comentários:

  1. Graças eu dou pelo tudo não-descartável que me alegra e me libera.Beijos reflexivos.

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  2. "Me libera".Boa pedida,não?

    Obrigado pelo carinho!

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