sábado, 6 de novembro de 2010

Ciência,Ideologia e Arte








Na revolução cultural e social ocorrida dentro dos períodos renascentistas e iluministas, o conhecimento foi crescentemente sendo atrelado ao método científico, configurando-se (supostamente) como superior ao conhecimento popular.

Mas como todo produto social, a ciência é progressivamente conformada durante o processo histórico. Assim, o sujeito, observador ou pesquisador, normalmente envolve-se com os valores e ideias de sua sociedade, refletindo em seu trabalho “valores e princípios” considerados em sua época.

Não permanecem, assim, como detentores de uma verdade absoluta, pois esse sujeito interpreta “a realidade”, e é parte integrante da produção do conhecimento que, por isso mesmo, não é neutro.

Ciência e ideologia

O pesquisador, ao escolher o seu objeto de pesquisa, necessariamente já se posicionou. Toda produção científica, assim, é balizada por interesses desses sujeitos, que determinam um recorte da realidade, já que nunca a abrange de uma forma geral: “são sempre interpretações, porque são do tamanho da mão que as constrói”, afirma Pedro Demo.

Sendo assim, o objeto de estudo das ciências é intrinsecamente ideológico e, porque carregado de decisões, político.

A ciência neutra, que se diz não ideológica, porque pautada em rigorosidade teórico-metodológica, apenas mascara sua conotação política (o que diríamos, então, de uma crítica de arte?).

Além disso, a ciência investiga objetos em consonância com interesses da sociedade, especialmente daqueles de uma estrutura que domina: não estuda qualquer evento ao acaso, mas principalmente aquilo que é relevante para quem a produz e/ou financia.

Na maioria das sociedades (eufemismo?), o conhecimento foi utilizado por grupos dominantes como instrumento de opressão. Vale ressaltar, entretanto, que o conhecimento culto, erudito ou científico não é propriedade de grupos dominantes. Saviani nos lembra que “nem o saber erudito é puramente burguês, dominante, nem a cultura popular é puramente popular.”.

Nas artes, temos o caso do samba produzido por Pixinguinha ou Sinhô, com os elementos de uma educação musical mais formal.
Ou, posteriormente, músicos mais cultos como Tom Jobim e João Gilberto, de formação erudita, influenciados por sambas feitos “na raça” e instinto, como os de Noel Rosa e Cartola.

E Villa-Lobos, músico erudito, a calcar muito do forte de sua obra na cultura caipira.

No cinema, o sofisticado alemão Rainer W. Fassbinder emulava o melodrama popular de Douglas Sirk que, por sua feita, não era puramente popular.

Charlie Chaplin fazia uso do “circense”, sem que abandonasse uma densa metafísica -pelo contrário-, tendo sido comparado, por grandes críticos, a nomes como Tolstoi, Charles Dickens ou Shakeaspeare(nesse último caso, Élie Faure), e não por acaso.

E alguém ainda acredita que Shakespeare fazia suas obras exclusivamente para “nobres”?

Ledo engano. Nem Chaplin.

Mas foram -e ainda são- admirados por grupos diversos.
No segundo caso, Carlitos e seu entorno, ou seja, um mito popular também amado pelas vanguardas européias - caso de pintores e escritores surrealistas - entre outros.

Ao passo que- interessante- Cecil B. DeMille, criador de superproduções em Hollywood, era visto por Salvador Dalí como artista de vanguarda.

Certos músicos do cenário pop, como Paul McCartney, apresentam, em meio ao singelo aparente de seus brinquedos, trocadilhos em texturas “verbovocomusicais”, traços nitidamente eruditos.

"Deus sabe quanto amei" (na verdade, Some Came Running), obra de Vincente Minnelli, rotulada como melodrama, não passa de uma grande tragédia sacra.

Enquanto seu musical – gênero então popular-, "O Pirata", apresenta muito do grande dramaturgo Luigi Pirandello, assim como o "Carruagem de Ouro", de Jean Renoir.

Sendo que o segundo seria mais respeitado -“respeitável”?-, talvez principalmente por ser europeu, realizado por filho de pintor impressionista, e não exatamente em formato de filme musical.

Não importa. Duas grandes obras, de forma e denso (complexo) discurso, realizadas por dois mestres do cinema.


Voltando, agora, à questão do rigor científico a que nos referíamos: a ciência coexiste com as noções ideológicas nela implicadas.O facto é traze-las à superfície, desmascarando-as.

Se possível, dominando-as de maneira crítica, enfrentando seus disfarces e não as encobrindo.

Dessa forma, estaremos oferecendo possibilidades da ciência também ser vista em sua condição de instrumento de manipulação e/ou opressão, a partir de seu formato de suposto purismo.

(Alessandro/Marina Battistetti Festoso e Juliana Neves)

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