quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Consciência negra?









Saiu uma reportagem na Folha de São Paulo falando de uma mania, a obsessão por limpeza.

A publicidade tem investido com força em produtos que se colocam como hiperpotentes para a morte de vários germes. E, quando se mata muitas bactérias, o sistema fica indefeso.
A tendência é sacrificar bactérias neutras, fortalecendo as demais.

Quando a “limpeza” étnica era justificada em nome da biologia, das ciências, a expressão aplicada era eugenia. A reportagem sobre a obsessão com germes aplica o termo higienismo.

No filme de Tim Burton, “O Planeta dos Macacos”, os seres tidos como inferiores precisavam ser tratados com luvas.
Além de sujos, os cientistas diziam que “aquelas espécies” eram portadoras de terríveis doenças. Muitas vezes os menores se transformavam em bichos domésticos para agradar aos bebês dos patrões.
E tal como os negros, esses personagens eram marcados com ferro em brasa em sinal de que eram “escravos”.
Ainda que alguns reconhecessem que havia muito talento por ali, naquela cultura.

Sabemos, hoje, que o jazz, uma grande manifestação da música, passou a ser uma arte aproveitada até por músicos eruditos.
Ainda assim, os artistas permaneciam (permanecem?) marginalizados.

A soul music veio do gospel, o blues dos spirituals. Tudo arte negra.

O Brasil passou, em dado momento da história, a não exportar somente matéria prima, mas cultura, com a música de Tom Jobim, dando curso ao processo iniciado com Ary Barroso. E a base era o samba.

A Avenida Rio Branco, quando criada no Rio de Janeiro, então capital do país, optou, em nome da eugenia (da biologia, ciência) pela exclusão dos negros, imigrantes e cia de seu seio.
Os excluídos foram fazer seu samba no morro.

O Bar Zicartola, de Cartola e sua esposa, se tornaria uma escola para toda uma geração: Chico, Paulinho da Viola, Tom, João,...


Mas, voltando um pouco ao Planeta dos Macacos:

Segundo os cientistas, os seres ditos “inferiores” procriavam mais rápido, e em uma forte cena no filme há a tentativa de provar que não tinham alma.
No desenrolar da obra, a tecnologia comparece como a grande ameaça, vinda de “outro mundo”. Aliás, o nosso.

A possibilidade de se ter e usar uma arma, assim como máquinas fotográficas como forma de “registrar” tipos “não adequados”, a intensiva comunicação eletrônica como forma de buscar o “suspeito” imigrante, junto a capacetes e demais artefatos compõem uma carnavalização à maneira de Tim Burton, sua expressionista alegoria de modos de vida.

O diretor parte de uma superprodução de gênero e, paralelo a ela, vai acrescentando seus típicos elementos na composição expressionista das imagens: faces mergulhadas no rio, construções rupestres, cavernosas que apontam para o céu, tais como castelos góticos em mundo de fortes aspectos medievais.
Haverá desde o narcisismo das limpezas até a composição da decrepitude, numa inversão de perspectivas, em que alguns rostos remetem a uma pintura barroca de Goya.

O tom do patético proposital vai se tornando um tipo muito específico de horror, em que as coisas não parecem existir para agradar aos espectadores, em meio ao cenário de superprodução em massa.
Há fios soltos, uma batalha filmada em meio à névoa, ao poeirento.Anticlímaxes, enfim.

O “herói”, após uma batalha que lidera, talvez com o intuito mais de garantir sua sobrevivência do que outra coisa e poder retornar a seu planeta, símbolo de “lar e avanço”, não passará de um homem frágil diante da personificação do horror em um tipo de pedra instalada no topo da construção emblemática: A estátua de Lincoln, hierática, simbolizando um totem, um deus primitivo, sem nenhuma relação com os supostos ideais da “pátria da democracia”. “Magia” e ciência se encontram em chave crítica, soturna.

Tudo é atmosférico, indefinido. É nos planos finais que a iluminação estará mais para a do final de "Vertigo", de Alfred Hitchcock: tumultuada. A paranóia e a magia do Mal imiscuídos na América do progresso.

Para alguém como Tim Burton interessa o outro lado. O que espelhos narcísicos pouco refletem de imediato.
O outro lado do roteiro. Da superprodução.

Não se trata tanto um belo país que havia se deteriorado por conta de guerras, etc. Mas de um Mal que sempre esteve por ali, rondando, em meio à maquiagem do “sonho americano”, que os planos, de esguelha, procuram caçar e sugerir, a indicar uma linha evolutiva, de uma crueldade rupestre a uma “sofisticada”.

Parte 2-


Os neunazismos têm várias formas. Umas mais diretas, como no caso dos garotos da universidade que aterrorizaram uma “gorda”.
Ou, como no caso dos estudantes de escola particular que agrediram rapazes em São Paulo.
Há até os que atearam fogo em índios, julgando que os mesmos eram “apenas” mendigos. Ou vice-versa? Sonetos de Hitler por emendas de Mussolini.

Outra dessas formas, bem conectada com as anteriores, encontra-se nas pesquisas feitas por Joana de Vilhena Novaes.

Seu primeiro livro chama-se “O insustentável peso da feiúra”, em que a doutora em psicologia clínica abordou certo número de pessoas insatisfeitas com seu próprio corpo:

Segunda a pesquisadora, “ há pessoas que limitam sua vida social, deixam de ir à praia ou mesmo às festas. Muitas não namoram.
Chamamos essa doença de dismorfia corporal.”

“As clássicas anorexia e bulimia se juntam hoje à ortorexia, que é a compulsão por alimentos naturais, e à vigorexia, que é a dependência de exercícios físicos.”

“ As múltiplas intervenções cirúrgicas também entram nessa lista. Importante ressaltar que esse grupo de doentes da beleza é um número exponencialmente crescente.”

“O interesse pela cirurgia como forma de emagrecer está causando distorções. Pessoas que não têm o peso suficiente para a indicação da cirurgia preferem engordar até chegar ao ponto certo para ser operadas.”

“Outro tipo de operação que está crescendo é a cirurgia da intimidade.
Por meio de métodos abrasivos, mulheres têm procurado médicos para clarear, diminuir ou aumentar o clitóris. Existem até adolescentes que, insatisfeitas com seu clitóris, fazem cirurgias para tentar se adequar a algum modelo que idealizam. Em breve, teremos um boom de modelos de genitálias”, diz a pesquisadora.

“De modo geral, a cosmetologia da genitália tem crescido muito. É hoje uma das grandes buscas das mulheres de classe média e alta.”
Segundo Joana, “a necessidade de se adequar aos padrões está acabando com a autoestima dessas mulheres”. Se elas não se sentem esteticamente adequadas, chegam a reprimir sua sexualidade.

“Já na primeira infância, os pais exercem uma regulação ferrenha, como fazem a si mesmos. Trata-se de um discurso imposto em que elas passaram a acreditar. Não é apenas uma questão de autoestima. Quem não se enquadra sofre uma exclusão real.”

“O resultado de tudo isso é que as doenças relacionadas à imagem emergem de forma violenta. O sujeito passa a ser o algoz do próprio corpo.”

(Joana de Vilhena Novaes é pesquisadora do Centro de Pesquisas de Psicanálise de Medicina da Universidade de Paris e criou o Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-RJ)

Excerto de sua entrevista para Martha Mendonça.
A pesquisadora está para lançar a obra “Com que corpo eu vou?”.



Aliás, essa é a semana da "Consciência Negra"?

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