quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ciência, Tecnologia e Poder( continuação)





“As sociedades têm vida própria”.
Baseiam-se na existência de certas forças produtivas, em condições geográficas e climáticas, em técnicas de produção, em ideias e valores e num certo tipo de ser humano que surge sob tais condições.

São organizadas de modo a conservar a forma particular a que se adaptaram e acreditam, de maneira geral, ser natural e inevitável o modo pela qual vivem; tendem a crer que qualquer modificação essencial em sua forma de existência levaria ao caos e à destruição.

Essa convicção não é apenas fruto da ideologia.
Está arraigada na parte afetiva do homem, modelada por todas as disposições sociais e culturais que o levam a querer “fazer o que se tem de fazer”, de modo que sua energia seja canalizada para servir à função particular ( específica), que tem como membro útil de determinada sociedade.
É por estarem enraizados nos padrões de sentimento, que os padrões de pensamento são tão persistentes e resistentes às modificações.

No entanto, as sociedades, de certa forma, se modificam.
Muitos fatores, tais como descobertas científicas, novas forças produtivas e outros levam à transformação.

Mas, além desses fatores objetivos ou não tão objetivos assim, há a consciência cada vez maior que o homem tem de certas necessidades, e seu movimento alternado entre desejo de independência e desejo de submissão,o que provoca modificações constantes nas situações históricas.

Surge, então, uma questão subsidiária: o que torna a sociedade capaz de viver e reagir aos desafios?
É evidente que ela poderia ser capaz de distinguir entre “valores", digamos, "básicos”, instituições básicos, e os que seriam “secundários”?

“Sistemas secundários”, ou acessórios, gerariam valores próprios, que chegam a aparecer como tão essenciais, quanto as necessidades humanas e sociais que os provocaram? Mas, alguém dirá que tudo é desejo, e ponto.

O meu ou o seu? Eles, afinal, são de quem?

À medida que a vida dos indivíduos se liga a certas instituições, formas de organização e, sobretudo, estilos de viver, formas de produção e consumo, etc., homens podem se tornar dispostos a sacrificar-se, e a outros também, pelas obras que construíram, a transformar suas criações em ídolos e adorá-los.

As modernas sociedades industrial e pós-industrial, por exemplo, percebem-se e com orgulho, como sociedades da razão. Apesar de parecerem, em seu conjunto, a própria personificação da razão, chegam a personificar, por outro lado, a irracionalidade (Como há os que matam em nome do amor, ou da democracia- física e psicologicamente). A faminta produtividade pode destruir um livre desenvolvimento de faculdades e necessidades humanas, sua paz é mantida por uma constante ameaça de guerra, seu crescimento depende da repressão de reais possibilidades de suavizar a guerra pela sobrevivência.

Essa repressão, diferente da que caracterizou outras etapas, atua hoje não a partir de uma imaturidade “natural” ou técnica, mas de uma posição de força servida por uma tecnologia que, por um lado, pode esmagar aspectos criadores da natureza do homem.

Mas, por outro, a partir de certas resistências ao unívoco e brutal, gerar possibilidades de maior utilização de aptidões e recursos para os demais desenvolvimentos, ou a satisfação de necessidades individuais e mesmo coletivas.
Caso do aqui já citado jornal “O Cidadão”, entre outras iniciativas.

A chamada revolução tecnológica trouxe novas formas de apreensão do mundo e das relações que os homens estabelecem entre si.
Com relação às ciências e técnicas, é preciso dizer que, longe de serem neutras, sempre incorporaram representações humanas e sociais de seu uso.

Tanto os triunfos técnicos do complexo tecnológico, quanto seus desperdícios e perdas não estão dissociados dos valores, desejos, costumes, ideias e escolhas de sociedades, não sendo exclusivamente embrenhados em fatores externos, como reza o ranço de crenças “positivistas”, cristalizadas nas ciências e nos números.

Por mais que a técnica se alicerce no que considera “procedimentos objetivos das ciências”, só pode ser compreendida como elemento de uma cultura que promove o bem e o mal, de acordo com as definições de bem e mal dos grupos que exploram a cultura.

As mais importantes repercussões que o aparato tecnológico tem provocado referem-se aos produtos sociais e culturais dele derivados. A técnica é um elemento da cultura, não sendo, portanto, independente, isolada de uma conjuntura do homem e do tempo.
A máquina, por si mesma, não teria exigências ou finalidades, mas a cultura do homem, sim.

Certo desenvolvimento ocorreu, por certos aspectos, a partir de uma progressiva desvalorização do orgânico( não é esse um discurso ecologista), do corpo, da história, da experiência, como um grande objetivo a ser alcançado, em um processo de mecanização de hábitos humanos, a partir do controle e de um tipo específico de disciplina e de submissão.

O homem reduzido estritamente a um mecanismo de trabalho leva também ao estranhamento/alienação em relação à própria criatividade do/de ser.

Por suas contradições internas, se esse “desenho” aponta para outras possibilidades das formas de ser no mundo, também não deixa de evocar um caráter cruel, desumanizante de uma existência submetida a ditames do complexo tecnológico, dissociado de algum “bem estar”.

É, então, que o termo “qualidade de vida” se integra à tecnologia e à ciência de forma oportunista, como equivocadas compensações: cirurgias cada vez mais precoces ou inapropriadas para o peso daquela pessoa. Cremes de branqueamento de pele distribuídos para outros continentes,etc.

A finalidade de um tipo de trabalho dito racional, regulado de maneira unívoca, explícita ou implicitamente pela economia do lucro - e não pelo trabalho, a moeda, e o consumo enquanto troca entre viventes- levou a dramáticos impasses, evidenciados nas tutelas que pesam sobre os países do ainda chamado Terceiro Mundo, o que conduziu suas regiões a uma pauperização absoluta e, consequentemente, a uma acirrada violência urbana.
A uma intensiva precarização do trabalho, o que obrigou a vários empreendedorismos de curto e médio porte, como alternativas ao massacre do desemprego.

Muitos pobres que trabalham praticamente de domingo a domingo, em condições precárias, como mão de obra barata, ainda são chamados de “vagabundos”(ou aqueles que trabalham à tarde, nos fins de semana, e ainda estudam à noite).

Há quem o seja? Sim, assim como muitos ricos, se é para usarmos a expressão “vagabunda”, tão complicada. Como os parasitas, que jogaram fogo em mendigos, alegando pensar que os mesmos eram índios. “Soneto pior que a emenda”.
Ou os que, agora, aterrorizaram a estudante de uma universidade pelo fato da mesma "ser gorda”.

Com todo o avanço tecnológico contemporâneo, a instauração, a longo prazo, de imensas zonas de miséria, fome e morte parece ser parte integrante, “naturalizada” da organização de estímulo à “utopia globalizante”.

Nos países ditos desenvolvidos reencontramos um mesmo princípio de tensão social, de estimulação pelo desespero, com a instauração de regiões crônicas de desemprego e marginalização cada vez maior de populações de jovens, idosos, de trabalhadores desvalorizados.
Aliás, os idosos, tendo em vista a crescente redução do nascimento de crianças, serão a população predominante daqui a alguns anos. A pergunta de alguns é: “O que fazer com eles”?
Qualificá-los a morrerem resignados?


Nesse cenário, o homem pode se despersonalizar, se reificar, ganhando estatuto de coisa a ser consumida para, em seguida, ser descartada. Como é o caso também da disseminação de redes de prostituição de menores, fedofilias “legitimadas” por ranços machistas, sexistas e mercadológicos.

Tal disposição valorativa opera como violência simbólica contra dignidades básicas, em nome da “liberdade democrática”.
Mas com cara de um tipo muito específico de ditadura, embora de rosto impessoal.

Interessante que muitos dos indivíduos que se desenvolveram paralelamente ao avanço tecnológico são “reservados”, indiferentes e acríticos. Ainda bem que não são todos. Do contrário, iniciativas que uma grande mídia não se interessa por divulgar não teriam sido concretizadas.
A mesma mídia dita “livre e democrática”, cuja predileção é girar em torno de outros aspectos, muitos deles sub-impressionista, e em torno das mesmas ideias, em tonalidade de cinismo, ou de sensacionalimo, como instinto de autopreservação, enquanto máquina de lucro, pela mesmice reiterante de “registros” e abordagens.

Voltando um pouco, mas sem mudar o foco: segundo Marcuse, ao longo do desenvolvimento tecnológico e de sua ampla disseminação na sociedade, surge um novo tipo de racionalidade, fundada em valores tomados de empréstimo à máquina. Com isso, formam-se novos padrões de individualidade, em que o princípio do “narcisismo” tende a colocar o homem contra a sociedade, enquanto submetido aos códigos do consumismo em massa: ou seja, um homem destituído de autonomia, e mais isolado.

A tecnologia e a ciência, apesar de aparentarem o contrário, são um processo social em que a técnica segue como fator parcial. Podem promover tanto o autoritarismo, o controle social, quanto a liberdade. Tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento, quanto a abolição do trabalho escravo(e/ou sob novas camadas).

Se em uma sociedade se vive mais para trabalhar do que se trabalha para viver, me parece ser ela socialmente contrária a seu princípio de eficácia.

Se a mesma acaba por gerar homens distanciados de interesses da vida, seja apáticos, ou a derivação disso em grupos góticos ou Emos e sua literatura...

Seja os desinteressados de algum desenvolvimento humano, alienados de si, de suas necessidades e desejos, e faltos de vinculação, o que se desenharia seria o equivalente a uma anticomunidade de bárbaros(sem nos referirmos especficamente a um grupo social).

Não por acaso muitos, como se fosse possível parar o dito progresso, tornam-se críticos virulentos da técnica.Como se a máquina fosse o demônio a comandar o homem.
E não o contrário.




Os - Para o tema, recomendo o filme O Planeta dos Macacos, de Tim Burton, que não é bem um remake, mas uma reconstrução.
Sobretudo pela arte que vai se insinuando em prolongamento de bordas e forças, a partir de uma superprodução norte-americana.

O outro é também ficção científica-de Jean Luc-Godard- sobre a preeminência da técnica e da máquina "neutra", impessoal e totalitária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário