quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ciência, Artes, Literatura ( Do "Util" ao "Inútil")






Há o dia-a-dia profissional e, em nome dele, estarei participando de um curso até segunda que vem.

Esse blog pretendeu, desde o início, se comportar mais como um caderno de notas do que como um site, propriamente. É que o profissionalismo já toma por demais do tempo, e por aqui permito licenças maiores que não seriam permitidas no primeiro. Nada de textos acadêmicos, ou excessivamente jornalístos. É claro que, por vezes, um blog pede variações devido à diversidade de leitores - inclusive etária.

Portanto, volto por hoje àquela velha querela objetividade/subjetividade, extrínseco versus intrínseco.

O que já foi abordado nesse espaço diz respeito à dificuldade de uma ciência ser neutra, o que não é óbvio para todo mundo. Trata-se de um ranço positivista que carregamos até hoje, em posicionamento de exacerbada partição das coisas. Não que, do contrário, chegaremos facilmente ao "todo", a um ideal de totalidade.

Mas o oposto é um sofisma com que temos nos arrastado desde muito tempo. Necessitaria uma leitura mais ampla, como a de Machado de Assis, entre outros, e sua relativização do cientificismo - que teria se configurado como um novo dogma na modernidade. O livro "O Alienista", por exemplo, é básico.

Posteriormente, há um momento em que a ciência passa a ser vista como uma ficção (coisas da "pós-modernidade"). Se a ficção- quando "bem feita"- encontra-se longe de constituir-se como engomada enganação, a ciência não deveria também perder seu espaço, nem nos embates, por demais dicotômicos e estéreis, entre a mesma e a religião.

Em meios de maior rigor epistemológico, a ciência tornou-se talvez um tanto quanto subestimada. Por outra, com a predominância da tecnologia como "salvadora da lavoura"- nos ideais de aquecimento econômico e do comércio- na maioria dos "meios sisudos" e jornalísticos prevalece o velho discurso de achincalhamento das artes: "inúteis". Ou da ficção: "mentira". Falácias- quiçá- ainda maiores.

O trecho abaixo pode colocar alguns pingos nos is, com a educação podendo interceptar tais pontas, em belas curvas:


Artes (Literatura) e Ciência

“A tensão entre ciência e ficção revela-se um impasse na França.”

O antropólogo Claude Lévi-Strauss procura um “novo humanismo’, renunciando à ideia de viagem como busca da alteridade e à mitologia do etnógrafo glorioso”, representada no trabalho de campo. Denuncia - no caso do saber de pesquisa - a ilusão de um homem que domina a natureza.

A disputa que opunha, antes da Segunda Guerra, ciência e literatura pela posse do saber sobre o homem vai passar, nos anos 60, com Barthes, à querela sobre a própria possibilidade desse saber. Por fim, como Derrida e Blanchot, Roland Barthes vai se fazer porta-voz de uma literatura no qual “só o silêncio se fala”. Uma literatura que se define como um saber em si, autônomo, irredutível aos recortes de análise histórica e social.

Não é por acaso que a preciosidade do estilo e a meditação moral de “Tristes Trópicos”, de Lévi-Strauss não encantam Barthes. É contra tal impasse que Debaene investe.

Para ele, o clichê pós-moderno segundo o qual o discurso científico é uma ficção apenas reitera a dicotomia entre ciência e literatura, reafirmando a oposição entre objetividade e subjetividade. Para escapar ao vício do esquema, propõe uma antropologia das ciências, que leve em conta tanto o fato social e cultural como a determinação das psicologias individuais.

Ao mesmo tempo, exorta a literatura a descer do pedestal de autonomia e irredutibilidade, onde permanece pairando como um discurso ensimesmado, sem objeto. Quer voltar a submetê-la à história, inseri-la no contexto histórico. É o que se realiza em “Tristes Trópicos”, segundo Debaene.

O “segundo livro” significa a articulação entre a experiência vivida e o discurso do saber, levando a cabo, com a incorporação da subjetividade “literária”, a empreitada inacabada do trabalho de campo, que se sustentava sobre bases falsas, como a busca pela experiência de uma “alteridade pura e preservada”.

O que “Tristes Trópicos” permite ao seu autor é explorar os limites de uma subjetividade historicamente e culturalmente construída. Passa a ser, assim, “um tributo pago pelo etnógrafo pela violência de ter querido constituir outros homens em objetos”.

(Da resenha de Bernardo Carvalho sobre o livro “Adeus à Viagem - A Etnologia Francesa entre a Ciência e a Literatura, de Vincent Debaene).

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