terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A Educação e seus mitos




Não sei se daria pra crer em "educação em tempo integral" em qualquer local que seja (uma ideia que tem sido disseminada e vendida como "solução"). A não ser talvez em um seminário ou mosteiro.

Muitos gregos que apostaram ferrenhamente em "cultura e educação" preferiam seus diálogos educacionais em praças públicas. Decerto mais arejado para todos, para mentes, inclusive, contanto que haja uma mútua disposição e certo empenho para o tipo de interlocução.

No lugar do que tem sido proposto a quatro cantos, quem sabe atividades culturais e esportivas ao longo do tempo, a fim de que pessoas não se obriguem a padecer ainda mais no intramuros?

Seria interessante dar um fim em mais um "condomínio educacional".

Em todo caso, podemos nos perguntar ainda quais seriam, a rigor, os reais critérios dos exames de educação propalados, antes de procurarmos os "ineficientes resultados". Nada se divulga dos primeiros.

Se o Enem comparece como contribuição à leitura de mundo, "conhecimentos gerais", com maior valorização interpretativa, a despeito dos erros técnicos, de logística perpetrados, escolas, em sua maioria, padecem "para trás", aferradas em mecânicos adestramentos para velhos vestibulares- enquanto os mesmos vão perdendo sua exclusividade- ou, do contrário, vinculadas meramente a cartilhas do "politicamente correto". O que termina por deixar de lado, muita das vezes e em ambos os casos, uma discussão e problematização mais frontal de fossos culturais, sociais, do ser e do estar no mundo.

Vladimir Safatle colabora com a discussão:


"O mito coreano"

Virou lugar-comum usar a Coreia do Sul como modelo de desenvolvimento educacional. Quando o assunto é educação, sempre há alguém a louvar o pretenso sucesso das políticas coreanas e a se perguntar, indignado, por que o Brasil é incapaz de seguir os passos daquele país.

No fundo, a comparação serve para mostrar o que certos setores da sociedade civil entendem por “educação”. Longe de terem visão inovadora, como propagam, tais setores apenas buscam fornecer nova roupagem a velhos dogmas da educação nacional.

No começo da formação efetiva do Estado nacional brasileiro, nos anos 30, um dos eixos das discussões educacionais girava em torno da necessidade de políticas maciças de “formação para o trabalho”.

Partia-se da ideia de que o país deveria ter uma grande base de formação técnica especializada para fornecer mão de obra qualificada e prometer sólida empregabilidade a classes desfavorecidas.

Por outro lado, bolsões de formação “humanista” seriam criados para uma elite que teria como função a reprodução de si mesma. Este sistema de duas velocidades era abertamente defendido pela intelectualidade que ocupava a imprensa, como Monteiro Lobato e Anísio Teixeira, entre outros.

Mas tais bolsões acabaram por produzir o pensamento crítico que iria, em larga medida, desconstruir a visão que as elites tinham do país, assim como mostrar sua incapacidade de construir um projeto nacional inclusivo. Esta formação não servia para os propósitos iniciais. Melhor seria mandar os filhos abastados estudarem economia financeira no exterior.

Sobrou martelar a ideia de que o Brasil deve reconstruir seu modelo privilegiando a antiga “formação para o trabalho”, proliferando escolas técnicas e reduzindo o espectro de suas pesquisas universitárias aos interesses imediatos dos grupos econômicos hegemônicos. Neste contexto, aparece o mito coreano como promessa redentora.

De fato, para alguns, seria ótimo imitar o modelo de um país que, no fundo, nem sequer conhece o que é pesquisa em ciências humanas e não tem sequer uma universidade como polo real de influência em várias áreas do saber. Pois tais pessoas não acreditam que “educação” seja o nome que damos para um processo de formação do pensamento crítico, de desenvolvimento da criatividade e da força de mudança, de consolidação da capacidade de se indignar moralmente, de refletir sobre a vida social e de compreender reflexivamente as múltiplas tradições que nos geraram.

Para elas, “educação” é só o nome que damos ao processo de formação de mão de obra para empregos precários e mal pagos. Mesmo do ponto de vista do desenvolvimento social, tal escolha é catastrófica."

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