terça-feira, 25 de outubro de 2011

Papéis sexuais no Brasil




 




1- Realizamos, em 2010 e 2011, uma análise quantitativa e qualitativa de periódicos impressos segmentados que, pela sua natureza, ao venderem estilos comportamentais e
 de vida,  aproximam sobremaneira o discurso jornalístico do discurso publicitário.


A análise foi realizada no ano de 2010 com as seguintes revistas: “Playboy”, “Veja”, “Nova” e “Atrevida”.  Para efeitos de comparação, foram analisadas no aspecto quantitativo as publicações dos EUA congêneres – “Seventeen”, “Playboy” (EUA), “Cosmopolitan” e “Time”.


A pesquisa demonstrou que a presença de negros na mídia dos EUA é ligeiramente maior do que no Brasil: a média é de 8,7 por cento contra quase 9 dos EUA.  A diferença seria insignificante não fosse pelo detalhe de que a população negra no Brasil é, segundo os dados, superior a 50 por cento contra 15 por cento nos EUA.

A distorção, portanto, no Brasil é muito maior do que nos Estados Unidos.



2- Na edição da revista “Nova”, de junho de 2010, a primeira imagem de uma mulher dentro da coluna “Over” é  a de uma moça  com pele mais escura. Logo abaixo, aparece uma mulher branca, mas usando dread locks,  tipo de penteado oriundo dos negros rastafáris.


No mês de setembro, na mesma seção, verifica-se duas informações eivadas de caráter preconceituoso: primeiro,  a referência  ao cabelo da cantora negra Rihanna como “over”  ( exagerado) - e também o tererê,  tipo de trança muito utilizada por meninas negras.



3- Objetificação da Negra-



Claro: A mídia objetifica a mulher ao colocá-la dentro da perspectiva de um objeto de consumo, daí sua forte presença imagética nos meios de comunicação como participante de um pacote de venda de sonhos. As publicações masculinas trabalham nesta perspectiva.

Entretanto, no caso específico da mulher negra, há uma radicalização dessa objetificação.


Nas poucas vezes em que modelos negras posam para a revista “Playboy” é ressaltado o caráter de puro objeto sexual, acima inclusive de, por exemplo, qualidades profissionais.  Mas no caso das mulheres brancas, o discurso da “Playboy”  se  inverte:  a nudez das mulheres vai no sentido de revelar uma face oculta de uma mulher que se estabeleceu, primeiramente,  como celebridade por atributos outros ( em geral, como atriz de telenovela da Globo).


No caso da mulher negra, o fato de ela ser atriz aparece como “plus”, uma cereja no bolo, pois o que se ressalta nela é a “ideia da mulata”.


Senão, vejamos:


Em um concurso feito pela revista chamado “ a  bunda mais bonita do Brasil”, várias modelos foram submetidas a votação dos leitores e as mais votadas tiveram  a  imagem de suas bundas publicadas na edição de outubro de 2010.

Quando se tratava de mulheres negras, as fotos publicadas sequer se preocupavam em mostrar rosto: apenas a bunda.    quanto às mulheres não negras, embora as fotos focassem suas bundas, os rostos  eram mostrados.

Esta perspectiva da objetificação  radicalizada da mulher negra se coaduna com o que é tolerado dentro de uma dimensão do escondido, do “irreverente, do exótico”  e não como parte de um  processo social brasileiro.



4- Concedendo um espaço insignificante para os afrodescendentes - inferior até mesmo aos Estados Unidos, país com percentual de negros três vezes menor do que o nosso-  a mídia cria pinceladas de participação negra em determinadas situações nas quais ela aparece sempre como algo exótico e voltado para a satisfação de curiosidade,  de desejo sexual   “diferente”.


Colocado nestes termos, a sociedade do consumo construída pela mídia permite uma pequena participação de negros e negras, mas sempre  como objetos de consumo sexual/ folclórico.


A transfiguração de que fala Otávio Ianni da sociedade em mercado, não transforma o cidadão negro em consumidor negro, mas sim em objeto de consumo. Este é o lugar do negro na construção e reconstrução social operadas no país.


(Dennis  de Oliveira- professor da Escola de Comunicação e Artes da USP. Coordenador do Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação e membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro.

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