quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Em Sala-ou na "Caverna"







A publicidade atualmente tem investido com força em produtos que se colocam como hiperpotentes com o fim de morte para vários germes. E, quando se mata muitas bactérias, o sistema fica indefeso. A tendência nessa história é sacrificar bactérias neutras, fortalecendo as demais.

Quando a “limpeza” étnica era e ( é) justificada em nome da biologia, das ciências, a expressão aplicada era eugenia. Uma reportagem sobre a obsessão com germes aplica o termo higienismo.


No filme de Tim Burton, “O Planeta dos Macacos”, seres tidos como inferiores precisavam ser tratados com luvas. Além de sujos, os cientistas diziam que “aquelas espécies” eram portadoras de terríveis doenças.

Muita das vezes, os menores se transformavam em bichos domésticos para agradar aos bebês de seus patrões. E tal como negros na história, personagens eram marcados com ferro em brasa em sinal de que eram “escravos”. Ainda que alguns reconhecessem que havia muito talento por ali, naquela cultura.


Sabemos hoje que o jazz, uma grande manifestação da música, passou a ser uma arte aproveitada até mesmo por músicos eruditos. Ainda assim, os artistas permaneciam (permanecem?) marginalizados.

A soul music é vinculada ao gospel, o blues aos spirituals: arte negra.


O Brasil passou, em dado momento da história, a não exportar somente matéria prima, mas cultura, com a música de Tom Jobim dando curso ao processo iniciado em Cartola, Noel, Radamés, Ary Barroso. A base era, claro, o samba.


Lembremos que Avenida Rio Branco, quando criada no Rio del Janeiro, então capital do país, optou, em nome da tal eugenia ( biologia, ciência) pela exclusão dos negros, imigrantes e cia de seu seio. Os excluídos foram fazer seu samba no morro.

Mas a história do carnaval é mais perversa do que isso e ainda voltaremos a ela. Já que o Bar Zicartola- de Cartola e sua esposa- se tornaria uma escola para toda uma geração: Chico, Paulinho da Viola, Tom, João,...



2-


Retomando o "Planeta dos Macacos", de Tim Burton:


Segundo os cientistas , seres ditos “inferiores” procriariam mais rápido, e em uma forte cena no filme há a tentativa de prova de que não possuíam alma.

Por outro lado, a tecnologia comparecerá como a grande ameaça, proveniente de “outro mundo”. Aliás, o nosso:


A possibilidade de se ter e usar uma arma, assim como máquinas fotográficas como forma de “registrar” tipos “não adequados”, a intensiva comunicação eletrônica como forma de buscar um “suspeito” imigrante, junto a capacetes e demais artefatos compõem uma carnavalização à maneira de Tim Burton, sua delicada e expressionista alegoria de modos de vida.


O diretor partiu de uma superprodução de gênero e, paralelo a ela, foi acrescentando seus típicos elementos na composição expressionista das imagens: faces mergulhadas em rio, construções rupestres, cavernosas a apontar para o céu, tais como castelos góticos em mundo de fortes aspectos medievais.

Haverá na obra desde o narcisismo das limpezas até a composição da decrepitude, numa inversão de perspectivas, em que alguns rostos remetem a uma pintura barroca de Goya.


O tom do patético proposital vai se tornando um tipo muito específico de horror, em que as coisas não parecem existir para agradar aos espectadores, em meio ao cenário de superprodução em massa: fios soltos, uma batalha filmada em meio à névoa, ao poeirento...Anticlímaxes, enfim.


O “herói”, após uma batalha que liderara, talvez com o intuito mais de garantir sua sobrevivência do que qualquer outra coisa e, assim, poder retornar a seu planeta, símbolo de “lar e avanço”, não passará de um homem frágil diante da personificação do horror em um tipo de pedra instalada no topo da construção emblemática: a estátua de Lincoln, hierática, a simbolizar um totem, um deus primitivo, sem nenhuma relação com os supostos ideais da “pátria da democracia”. “Magia” e ciência se encontram em chave crítica, soturna.


Qual seja, o atmosférico, o indefinido. É nesses planos finais que a iluminação estará mais para a do final de "Vertigo", de Alfred Hitchcock: nevoenta e tumultuada: a paranóia e a "magia" do Mal imiscuídos na América do progresso.


Para alguém como Tim Burton interessará o outro lado. O que espelhos narcísicos pouco refletem de imediato. O outro lado do roteiro. Da superprodução.



Não se trata tanto de um belo país que havia se deteriorado por conta de guerras, etc. Mas de um Mal que sempre esteve por ali, rondando, em meio à maquiagem de “sonho americano”, que os planos, de esguelha, procuram caçar e sugerir, a indicar uma linha evolutiva de uma crueldade rupestre a uma “sofisticada”.

(Continua...)


Fotos- O vermelho e o negro atualizam a "modernidade" de Poe e Baudelaire.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Howard Hawks, Tim Burton





“Eu é um outro.”


“Esta língua será de alma para alma, resumindo tudo, perfumes, sons, cores, pensamento fisgando o pensamento e puxando. O poeta definiria a quantidade de desconhecido, que desperta em seu tempo...

...A poesia não dará mais ritmo à ação; ela tomará a dianteira.

.. .Quando for quebrada a infinita servidão da mulher, quando viver por ela, tendo-lhe o homem, até agora abominável, dado dispensa, será poeta também ela! A mulher encontrará o desconhecido!

Diferirão de nossos mundos de ideias. Achará coisas estranhas, insondáveis, repugnates, deliciosas: toma-las-emos, compreendê-la-emos....Mas inspectar o invisível e ouvir o inaudível sendo diferente de retomar o espírito das coisas mortas.”

(Arthur Rimbaud)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Michael Mann- Nota



Em Colateral, os pontos mais altos se encontram no prólogo e no epílogo. Quando recorre mais à dramaturgia, seu filme parece menos interessante. Já nas construções de atmosferas é que ganha sua força.


De início, temos a poesia urbana, com suas muitas vistas a passear por ali, entrevistas por meio do retrovisor de um carro, a refletir um grande painel metropolitano, composto tanto por uma dimensão de sonho acordado, quanto pela de isolamento, solidão e prisão na selva.


Haverá, diante disso, o espaço para um mosaico de acompanhamento musical, que vai desde a música erudita, passando pelo pop e até o jazz, conforme o filme vai se desenvolvendo, com a noite se tornando madrugada e a poesia urbana se fazendo evidentemente crepuscular. Momento em que trilha e imagens remeterão a mudas reflexões.

Na mesma medida em que o filme ganha mais fôlego, Mann faz com que sua câmera busque vários tipos de ângulos a um só tempo, construindo um labirinto vitrificado, de concreto, em que desencontros urbanos passam a ser projetados em um âmbito mais individualizado, nessa busca por ar ou libertação.


É preciso aqui sempre correr mais, fugindo ou buscando, um tanto como em O Pagamento Final, de Brian De Palma, cujo desfecho se passa também em um metrô.

Será possível não somente observar a relação do cinema com a música, como tornar a respiração de cada rosto decisiva em suas implicações meditativas, com o recurso digital a intensificar a condição sensorial e mesmo tátil desse cinema.

Em termos de história, saberemos que o vilão Tom Cruise foi alguém privado de sonhos, tornando-se um robô programado na selva. Já para o protagonista, trata-se de ser ou não sugado pela mesma possibilidade.

Trata-se de dilemas desenhados digitalmente em uma cenografia pós-moderna, na qual os riscos de alienação do desejo e da morte da consciência, em uma provação de aventura policial, se fazem enormes.


Prolongando, de certa maneira, um grande filme de De Palma, inserindo-o em um contexto metropolitano atual, Colateral tende somente a crescer.