quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Listas e os blablás




Muitas pessoas pensam que arte não "serve para nada".Em termos mui imediatos,que não os psicológicos,pode até ser que não.
Ser brasileiro talvez seja não pensar as coisas a longo prazo.Logo,se a coisa não funciona naquele exato momento,tem de ser descartada.
Ouço uma música.Nunca ouvi nada parecido.Me soa estranha.Logo a subestimo e ridicularizo,ou bem desligo o aparelho quando me está em mãos.
Assisto a um filme.Não me parece imediatamente digerível,compreensível.Desisto.Posso não voltar a ele,dar uma nova chance.
E isso não ocorre somente com a música,o filme ou a literatura que soaria "estranha",mas naquela-ou naquele-que parece às vezes "banal",meio "comum":"Ai,que chato,muito mamão com açúcar".Nisso, posso ter perdido todas as entrelinhas que são às vezes até mais presentes em estilos mais suaves,de uma maior "simplicidade".

Bem,nessa de gratuidade,de não ter o que fazer,ou da "arte de não fazer nada",de Alberto Caieiro(aquele homônimo do Fernando Pessoa),um amigo enviou-me um e-mail com uma lista(argh!...)com o top dos Beatles.
...isso,daquela banda inglesa que influenciou meio mundo na música pop,o que acabou gerando a idéia equivocada de que teriam parido os anos 60.Muito pelo contrário.O que eles podem ter feito é uma rara leitura do momento(dos momentos).Mas, por serem artistas,operavam como um canal estético daquilo.
A rigor,hoje essa história de parir uma época importa menos do que a mina de dinheiro implicada.Um disco dos Beatles remasterizado num momento em que os preços dos originais caem, adaptando-se à pirataria em voga,é de um absurdismo "Beckettiano"..
A música pop,ainda que de qualidade,torna-se elitista nos preços(enquanto,claro,a música erudita nem tem preço de tão barata que costuma ser,assim como muitos discos de jazz,por exemplo).A música dita clássica a preços populares e a pop,a preços cabulares,elitizando-se.
Assim, os Beatles tornam-se a música da classe média brasileira,por excelência.A "música clássica" da classe média,quando mereceriam bem mais-os Beatles,nem tanto a classe média.

Voltando ao não fazer nada,quando não estamos ganhando dinheiro no tempo frenético da contabilização do lucro da produção informativa e informatizada,podemos nos pegar também,por que não,fazendo listas.De preferência sem maiores sisudezas e solenidades.Daí que enviei também a minha ao amigo.

A reproduzir:

"Listas,na maioria das vezes,podem não servir para nadar,nem para clarear algo ou o que for que venha a somar.Mas são boas para quebrar o gelo.


1-Rubber Soul-Conjunto impressionante de canções perfeitas.Como os Beatles sempre foram mestres maiores do lirismo-de canções,no seu caso-a coisa anda muito bem,do início ao fim.Mas há muito mais experimentação do que parece e The Word é o caso mais escancarado disso.
Disco de clima inglês nublado.Mas desse parti pris tão intimista e introspectivo,tendo de fazer uma auto-prospecção e achar todas as pérolas.

2-Abbey Road-Contém algo até de enfadonho em certos momentos,mas a vitalidade que vai ganhando o que antes era o lado B do vinil não é menos que impressionante.
Os Beatles se despedindo em chave de ouro,em seu melhor instrumental e sua produção mais sóbria,sem ter de provar nada.

3-Srg Pepper`s-A experimentação dos discos anteriores encontra de vez o psicodelismo.
Como não ligo tanto assim para o psi,ele não entrou mais à frente.
Trata-se de um disco com necessidade de provar algo grande,por isso o peso da produção,tornando-o por muitas vezes mais do Martin do que dos demais(o que pode ser notado nos raros momentos de contrabaixo e de guitarra).
Pode soar menos orgânico no conjunto em comparação com os anteriores.Mas como tem a Day in the life e With a little help from my friens,por exemplo,trata-se de uma produção que só o Martin poderia perpretar como erudito maestro que entendeu com profundidade o pop(falsa contradição),contando com os momentos de gênio dos garotos.

4-Revolver-Esse flerta com o indianismo e com força.E isso o torna com cara de mais ousado do que o precedente Rubber Soul,o que nem é verdade.É só mais descarado,mais explícito.
Um disco com Eleanor Rigby e For no One só poderia ter ótima posição.
Here,there and everywhere é forte,mas a gravação vai no encalço do sucesso de Yesterday,tornando-se burocrática.
Grande pegada de rock em Doctor Robert e outras.
O delírio de Tomorrow never knows deixa entrever o de certos momentos do Pepper´s,que seriam mais consequentes e burilados.

5-White Album-o famoso "colcha de retalhos" dos Beatles contém um pouquinho de tudo dos momentos solos de cada artista(com exceção do Ringo,que não poderia ser chamado de compositor).
O disco traduz toda a loucura de 68,seu caos,tanto que por vezes beira o ocultismo(Não tão à toa foram vistas pistas satanistas na obra).Não que fossem necessariamente satanistas,mas é um disco que flerta com o melhor e o pior de um momento conturbado.
Infelizmente ou não,isso surge mais como reflexo e sintoma do momento do que como algo um pouco mais assumido.O que o torna à vezes tênue demais,com uma prolixidade de retalhos,por um lado,ou uma contenção exacerbada de tom,por outro(Long,Long,Long,por exemplo).
O disco constitui-se como uma transição da psicodelia do Pepper´s e do Revolver para algo mais sólido,mais depurado(ou mesmo musicalmente maduro)que seria achado no Abbey Road.
Um disco com Sexy Sadie e Blackbird opera melhor nas partes que na visão do todo.Mas as partes-não todas,podem ser(como são)dilacerante."

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