domingo, 3 de janeiro de 2010

Notas de ontem




Revendo ontem,de surpresa o "Dançando nas nuvens",último filme de Kelly-Donen,a dupla que havia dirigido "Um Dia em Nova York" e"Cantando na Chuva" anteriormente,fica nítido que se trata de uma elegia,de um filme em tom de despedida.Não somente da dupla,que não mais trabalharia unida,mas do próprio musical e de uma era.
Seja pela fotografia em tom acinzentado para o azulado,ou seja,bem mais esmaecida que a dos filmes anteriores,embora única,belíssima.
Cheguei a já falar que é o roteiro mais inteligente da dupla Betty Comdem e Adolph Green,que juntos trabalharam nos demais musicais citados,como também em "A Roda da Fortuna",de Vincente Minnelli.O que se tornou quase moda aqui parece ser um certo estilo paródico de sátira à sociedade do espetáculo industrializado.Por exemplo,na cena em que a apresentadora abre seu programa de tv cantando em estilo Marylin Monroe,comparece repentinamente uma fotografia branca, de uma frieza assustadora, metálica,como em uma art pop de um Jasper Johns e suas bandeiras norte-americanas gélidas e ambiguamente pintadas.
Certamente existem outras camadas,mais na cara do que propriamente ocultas:como no fato de que, aquele era um momento em que o cinema passava a rivalizar com a televisão em concorrência e o musical seria um dos primeiros a dançar(com o perdão do trocadilho),ou seja,a não mais dançar.Mais do que natural o tanto que o filme pega pesado com a tv,tomando radicalmente o partido do cinema contra o novo veículo.
Num dos últimos momentos do filme,Gene Kelly,Stanley Donen,Comdem e Green,obrigam a tv(veículo de maqueamentos e velamentos)a se incorporar ao cinema,em um belo jogo de espelhos,em que a primeira passará,ao menos por segundos,a realizar um papel de presenciação e nisso,de revelação de dados dentro do contexto de um anódino programa de auditórios.
Contudo,todo esse sentido de sátira atroz e de despedida,de fim de uma era(não somente dos musicais,mas de um cinema)não tornam "Dançando nas nuvens" um filme excessivamente melancólico ao ponto da mumificação.Pelo contrário,é vivo,contém lindas coreografias como as de Cyd Charisse em seu papel mais sóbrio em um musical,mas dançando com os boxeadores em estilo de cartoon e de desenho animado,ou Gene Kelly superando-se mais uma vez ao dançar de patins,lançando-se livremente na rua,ou seja no momento em que os pracinhas,chapados de álcool improvisam um número com as latas de lixo mais ao início do filme.
Um esclarecimento seria dizer que, no momento solo de Kelly, ele não parece tentado a repetir a façanha de "Cantando na Chuva",e talvez por isso a cena-(como os demais momentos do filme)-,seja conduzida com raro sentido de serenidade,como bem conviria a um obra de maturidade, de crepúsculo.
É um fecho mais do que apropriado,em chave de ouro,para uma belíssima trilogia.

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