sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Acorda,Brasil!




"Projeto obriga políticos a matricularem seus filhos em escolas públicas.
Uma idéia muito boa do Senador Cristovam Buarque.Ele apresentou um projeto de lei propondo que todo político eleito (vereador, prefeito, deputado, etc.)seja obrigado a colocar os filhos na escola pública.
Quando os políticos se virem obrigados a colocar seus filhos na escola pública, a qualidade do ensino no país pode (até) melhorar.E todos sabem das implicações decorrentes do ensino público que temos no Brasil."

Aliás,de qualquer tipo de ensino,público ou privado.Mas,só pra começar,rascunhar,com uma boa escola pública no país para que,por exemplo,as polêmicas cotas?...

"SE VOCÊ CONCORDA COM A IDÉIA DO SENADOR, DIVULGUE ESSA MENSAGEM"

Sim,sim,o projeto tende a passar se houver pressão da opinião pública.

Pois é,pode ser duro dizer,mas sem educação não dá sequer para "despistar" a barbárie a que nos acostumamos ou estamos nos acostumando,infelizmente.
Aliás,que importa os rumos positivos da economia,de um comércio exterior com a educação emperrada?As míseras bolsas quando não se sabe o que fazer com elas?

De que adianta modernização informatizada,sem saber ao menos o que pode haver de melhor para pesquisar,saber selecionar,estabelecer critérios?

Um progresso que corre desesperadamente para frente sem sustentação(o problema do meio ambiente não é único,isolado),capacidade de avaliação,autoavaliação,senso crítico.

Da mesma maneira não adianta separar educação de cultura,assim como meio ambiente de problemas sociais.

Ou seja,se o cara não sabe ouvir um homem(Nelson Rodrigues dizia há mil anos atrás que o brasileiro não sabia ouvir),como ficaria no caso daquela música Borzeguim,do Tom Jobim(ecologista avant la lettre,da época em que ainda não haviam inventado o termo):"Ouça o mato"?
Se o Nelson dizia do brasileiro não saber ouvir,que diria hoje,na era das relações virtuais e do corre-corre alucinante.

Adiantam tantas mediações,estatísticas,folhetos,se o tête-a-tête se reduz,se atomiza?

Ou sensibilização agora tem de ser sempre estigmatizada como sendo papo de Emo?Estereótipos.Raciocínio preguiçoso:"Raciosímio".

O mundo agora se dividirá entre emos e não emos?Claro que não.
Ou o macho,machão mais que enraizado,histórico,pré-histórico vai insistir na velha mesma tecla de que sensibilidade é papo mole.Ou de romantismo gótico,ou o c. a quatro..ops,pardon..

"Poesia é coisa de chorão".Mas se tu choras e admite,certamente é mais macho que o de praxe que tem de se ficar se autoafirmando milenarmente como em propagandas de cerveja,
Viriliessssssssss.Ah,tá.Conta outra,boneca enrustida.

Ou tal como aqui,nesse interior, que às vezes parece o inóspito sertão."Mexer com mulé minha,eu mato".
Medo não vamos falar de quê,ou vamos:cagando de medo da possibilidade de alguém saber que sente medo."Teme o medo".
E isso enquanto certos grupos femininos se articulam e até acrescentam um novo know-how,modus-vivendi à empresas,os babacas a ficar eternamente se preocupando,consciente e inconscientemente,com o que os outros poderiam pensar dele tão homi.

Mas,ao que interessa,o que os piões da "intelectualidade" teriam a dizer do "meio ambiente"?Os patrulhadores acadêmicos ou machos da palavra, latinos colonizados.
Já que beletrismo é papo de brasileiro com medo de continuar na cozinha,na senzala,desde quando nossos "pais" lusitanos cindiram a língua em duas:
"Respeitáveis" para um lado,concursados,graduados e Cia.
"e Tu,ralé nacional,povão,não beletrista,recolha-se à sua insignificância de linguagem "menor",

Ah,sim,a do dia-a-dia,da "vida como ela é"(iiih,Nelson de novo).
Bem,nem sou eu que digo, isso já foi(deveras)estudado.Pesquisadores ainda servem pralguma coisa.

Recolho-me ao meu abrasileiramento não lusitanista,e agradeço aqueles(de cor).
.

Mas,quanto aos(ditos) ecológicos..."Salvem as baleias".
Não.O que queria dizer no início desse piar de pássaro enferrujado de quase fim de semana,é que salvemos nossos ouvidos primeiramente para poder ouvir atentamente no rápido,embalsamado tempo,
aquele que não se dá(tempo)para ouvidos mais finos,atentos..No caso,sem tantas mediações e virtualidades.

Desculpa esse tão somente,minimalista chiado,se incomoda "o ronco da buzina do meu carro"(Noel Rosa).
Pardon por essa cacofonia,como no início do filme Eclipse,do Antonioni,a querer parar o ritmo dessa(pseudo)civilização sem buracos, lacunas para ver...
mas agora estamos a falar de ouvir,dessa pausa para ele...
O mato do Tom,sem tantas mediações.
Mas antes,esse meu silêncio,ou chiado,o teu silêncio, oco grave ou somente oco(não importa)
..ou não te(me ouço)um pouco,
autista do tempo privatizado,abandonando um pouquinho suas( ou minhas) "causas" privadas,
no tatibitate virtualístico,
ou na visão de guetos,a nascer na própria casa:
reduto da "segurança" burguesa,quem sabe em um condomínio fechado,higiênico ou

no trabalho desinfetado em que alguém que passa,passa a passar
e a pensar se "redimir" para os "céus"...céus vitrificados.

Ou na orgia desesperante,de corpos gastos,engastados nos pastos das "Festas da Cerveja",da(re)programação hedonista de corpos que sugam(não gozam)
,desconhendo real sexualidade,
seja virando clones desse canal em que insiro dados codificados,eletrônicos,..

Desculpe,é sono,sexta-feira.Mas tudo isso tem a ver com educação.Ambiental?Social? Numa palavra,educação:
Disso,queria dizer que,caso concordem com o ilustríssimo senador,se puderam ouvir sua reivindicação de lei em meio à circular disseminação de informações inúteis,retroalimentares de lama e tautológicas banalidades,navegando(ou naufragando)no top vazio,ao menos divulguem a proposta.Terá sido bom.

De bom grado,

Obrigado.

Bate papo(música)



Conheci a música de Burt Bacharach por meio de umas gravações horrorosas que pegavam a voz da intérprete e acrescentavam bateria e um enchimento sonora às versões originais.Como era coletânea,até hoje não sei quem realizou esse tipo de mixagem.Ainda sim,consegui observar a riqueza da musicalidade,a convicção de uma inteligência musical por trás orquestrando tudo(literalmente,em seus mínimos detalhes).Um sentido de ordem inteligente,a noção de que quando o naipe aparecia,ele logo sumiria,como a gerar algo e aparentemente dissolvê-lo em mudos contrastes(putz,virei poeta,rsrs...).Ou seja,nessas gravações fraquíssimas já dava para entrever a qualidade de silêncio dessas composições.
Passado um tempo,pude ouvir as originais,em que as pausas,os silêncios,a supressão de batera ratificavam o que já percebia.
E delas passei para as regravações da turma do pop,que souberam, na maioria das vezes,manter uma considerável fidelidade ao espírito, mesmo quando os arranjos cresciam em um tipo(pop)de intensidade,ou a voz parecia buscar algum efeito mais direto como numa clássica versão de Aretha Franklin.Nada disso parecia alterar a nudez e a limpidez sonora embutidas.
Mesmo quando os intérpretes queriam teatralizar,nada parecia preencher esses silêncios(paradoxamente?)sonoros,seus mutismos percussivos e melódicos.
Nessas versões mais "invasivas",algumas delas soavam como uma brincadeira pop em torno de uma grande música,mas sem incorrer no reducionismo de travar o essencial, qual seja,os contrastes sonoros,o melódico perfeito oscilando e(ou)se sobrepondo ao mutismo quase zen das camadas.
Ou seja,certa teatralização em certas versões aparecia como em letras românticas nas quais nós nunca prestamos muita atenção,pois soam como fundo divertido para a música,que é o que mesmo importa.
Nesses tempos de retorno de um espírito de romance,como reação a certo hedonismo avassalador(a cultura dos "fica-ficas"),será que seriam músicas que caberiam em uma trilha de "nova" juventude,por exemplo?
Talvez não,pois assim como essas letras que parecem mais do que secundárias frente às músicas(há brilhantes exceções,evidentemente),as composições de Bacharach,desde as gravações mais deturpadas(as primeiras citadas)às da compilação pop,carregam primeiramente um forte ascetismo formal,sonoro e de economia melódica,que sinceramente não sei se pegaria bem nesse reino de um Crepúsculo mais melosão.Mas,forçando um "otimismo" na relação arte e novos tipos de comportamentos,nada é impossível.
Em todo caso,fica a dica.Quando ouvimos a gravação clássica de Walk on by,há um momento de tensão sonora digna de uma peça de câmara,tocada com um tipo de singeleza de certos Beethovens.E essa tensão,esse obstáculo é repentinamente distendido,desobstaculizado por um um tipo de arroubo aéreo(não há outra palavra),que opera como quase involuntária,"natural" conquista de uma liberdade evanescente.Cool,preservando sua discrição,mas num certo aspecto evidentemente"épico",no seu sentido de força e intensidade.Que metáfora poderia vir à mente,se me permitirem?Pássaros e águias e vice-versa,intercalando-se.
Sempre imaginei essas músicas nas cenas aéreas dos filmes(não somente as passadas em algo como um avião,mas filmadas do alto mesmo)e não à toa a conhecida Raindrops Keep Falling on my head é apresentada no filme de Hill sincronizada com imagens ao ar livre,com algumas estripulias do protagonista com a bicicleta sendo vistas também do alto pela atriz(Katharine Ross)que,ao mesmo tempo que dele ri,intercala tudo com uma expressão de ar,blasé,um tanto distraída(no sentido de atração para outro mundo),aparentemente se desconcentrando por momentos daquilo através de gestos no cabelo,ou manuseando folhas no rosto,mas certamente ainda conectada por certo tipo de ternura.
Desse tipo de frescor,de estripulia alternada a estados de terna discrição,por esse tipo de mutismo que se conecta a um tipo de liberdade de espírito,que se efetiva a ascese de estilo de um compositor como Burt Bacharach.A cena não poderia ser uma tradução mais adequada de som à imagem e vice-versa.
Ou melhor,compositores como ele,Ennio Morricone e Henry Mancini chegaram a inverter o paradigma das trilhas sonoras dos filmes ao fazer com que não tanto a música traduzisse a imagem,mas que a imagem fosse feita(ou parecesse)em função das modulações da música(ou seja,nada de Crepúsculo).

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Cinema e Terrorismo




Ratificando talvez o que foi aqui falado sobre Gene Kelly e trupe,encontrei esse texto do professor de cinema Peter Wollen:

"Dezembro de 1951.Este foi o mês em que o veterano jornalista anticomunista "Doc" Matheus citou especificamente Cantando na Chuva em "O cinema limpou mesmo a casa?",um artigo que foi um verdadeiro marco por exigir que os estúdios se empenhassem com mais entusiasmo na tarefa de expurgar a esquerda e por levar à quase institucionalização da lista negra nos termos da Legião Americana.Dezenove longos meses se passaram antes que o estúdio e Kelly conseguissem encontrar uma solução satisfatória.
É tentador procurar interpretar Cantando na Chuva em função do clima político no qual foi feito:notar,por exemplo,que a história gira em torno do desmascaramento de um plano para pôr na lista negra Kathy Selden(a heroína vivida por Debbie Reynolds),plano concebido por um informante e reforçado pelo emprego dos meios de comunicação para pressionar um estúdio desfibrado que,afinal,coloca o lucro acima dos princípios..
Resta a tragédia de Hollywood ter-se deixado intimidar a ponto de perder grande parte de seus talentos ou que,ao fim e ao cabo,só os tenha mantido à custa de conformismo e concessões humilhantes,que debilitaram e destruíram sua energia criadora desde aquela época até os anos 60.A profundidade dessa tragédia ainda não foi reconhecida em sua magnitude.
..creio que foi o macarthismo,no sentido amplo do termo-ou seja,a determinação de destruir todos os traços da cultura da Frente Popular-que primeiro e tragicamente limitou os musicais da MGM e finalmente levou-os à paralisação.Desse ponto de vista,parece apropriado que as últimas produções da Freed Unit,em 1959,tenham sido Os Subterrâneos da Fome e Essa Loura vale um milhão(direção de Vincente Minnelli),o último e heróico ato de resistência de Judy Hollyday,Betty Comdem e Adolph Green(os roteiristas de Um dia em Nova York,Cantando na Chuva,A Roda da Fortuna e Dançando nas Nuvens)".

Errata

Como escrevi meio correndo sobre os Beatles,acabei gerando talvez um mal entendido,uma errata.Ao falar do Srg.Pepper`s como um disco de forte teor de produção,falo da ausência de guitarras e de contrabaixo.De guitarras tudo bem,mas o baixo de Paul é quase onipresente no disco,embora a essência do raciocínio não mude(de ser um disco por vezes mais do produtor George Martin do que dos demais).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os Sons do Silêncio






Alguns que dizem "entender de música" costumam se perguntar o que poderia haver de genial em Tom Jobim,afinal ficar a dedilhar daquela maneira o piano seria de tão pouco virtuosismo(aliás,imagino que compor sinfonia como ele chegou a fazer deva ser tarefa de molequinho também).
O mesmo deve valer para a suavidade de outro maestro,Burt Bacharach em suas trilhas sonoras para filmes,e a comunhão com uma dimensão silenciosa implicada em seu método,o que nem todos devem perceber,pois além de não serem muito bons para entrelinhas ainda mais sutis,seriam viciados em "sensorialismos tapa buracos",seja da vida,ou da alma(o que dá mais ou menos no mesmo).
Depois voltaremos a isso,já que estou correndo para uma reunião de escola.Mas a coisa passa bastante pelas declarações de um amigo de Marcelo Coelho,sábio no assunto e aqui a falar de interpretações na "música clássica".De música,no fim das contas.

"Piano, vinho, Debussy


Um amigo, há muito tempo professor de piano em Nova York, esteve em casa nestes dias. Tempos atrás, neste blog, eu elogiara o CD dos Estudos de Debussy por Jean-Efflam Bavouzet. A reação dele veio por e-mail: trata-se de um pianista amaneirado, superficial, efeitista.
Aqui em casa, de partitura em punho, ele me mostrou a quantidade de coisas que o famoso virtuose ignorava na complexa textura pianística de Debussy, privilegiando apenas o impacto sonoro da própria virtuosidade.
Vivendo e aprendendo...
Mas esse amigo meu é incontentável. Como excelente profissional do ramo, suas avaliações estão no polo oposto dos simples entusiasmos de um discófilo. Horowitz? Só é genial quando acerta... caso contrário... Cláudio Arrau? Ótimo com orquestra. Sem orquestra... E Marta Argerich? O Chopin dela não dá certo.
Mito depois de mito caía nas avaliações de meu amigo. E ele me mostrou a mais fantástica e convincente interpretação do primeiro concerto para piano de Brahms. Não tinha a grife de nenhum pianista conhecido: foi tocado por Norman Krieger, com a regência de Jo Ann Faletta. Ouça aqui: http://www.normankrieger.com/

É de fato uma interpretação maravilhosa, num entendimento perfeito com a orquestra, numa sabedoria no uso da dinâmica, e numa presciência do rumo que a música deve tomar, raras de se ouvir nas melhores interpretações.



Mas a pergunta principal que tinha de ser feita a esse professor de interpretação pianística era a seguinte: afinal, vigora a justiça, ou vigora a injustiça, no mundo da música clássica?

Minha impressão é de que vigora a justiça. Ou seja, os talentos excepcionais acabam sendo reconhecidos, e os menores tendem a recolher-se a seu devido lugar.
Esse amigo não acredita tanto nisso. Considera que o marketing, a política das grandes gravadoras, o caráter impressionável do grande público preponderam sobre o mérito real dos musicistas.
Visão pessimista, de quem vive a coisa por dentro. Talvez, por viver a coisa por dentro, esse amigo exagere as injustiças, assim como um filho, numa família de muitos irmãos, pode sempre reclamar dos pais a falta de atenção de que foi vítima.
De fora, sou mais otimista. Afinal, apesar das manipulações mercadológicas, o mundo da música clássica é competitivo ao extremo. O mercado é ambíguo, reconheço, nesse ponto: pode ser distorcido pelo marketing, mas é purificado pela concorrência.
Depois de ponderar esse dilema, fiquei pensando também se não estamos às voltas com minúcias, como acontece com especialistas em vinho discutindo as respectivas qualidades de uma safra em comparação com outra.
Deus me livre disso. Meu amigo, aliás, abomina comparações entre diferentes pianistas: passatempo de discófilos, diz ele.
Que a música toque por si mesma, e que o compositor valha mais do que o intérprete: eis uma coisa que, num meio que tende ao pedantismo, vale sempre enfatizar. Ideia que meu amigo não se cansa de defender, aliás. Quem sabe das coisas nunca dá de sabido".

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Cinema e a Ficção(2)







Ainda sobre a ficção no cinema,um trecho de Jacques Lourcelles,extraído do dicionariosdecinema

"Na sua enquete sobre « O primeiro Wells », Borges escreve: « Verne escreveu para a adolescência, Wells para todas as idades do homem. Há entre eles uma outra diferença, já indicada pelo próprio Wells na ocasião: as ficções de Verne são sobre o devir provável [...], as de Wells sobre o puro possível. » Méliès, que terá se inspirado em Verne e Wells, mescla sem vergonha e sem complexo as duas fontes. Para ele, a ficção cinematográfica engloba o documentário e a ficção-científica, a descrição do real e do imaginário, o sonho sobre o provável e o possível. Esses limites, que a ficção-científica moderna quer apagar (cf. O Enigma de Andrômeda de Wise), Méliès negou desde a origem. Inventor do espetáculo cinematográfico, Méliès sente que tudo aquilo que aparece sobre uma tela deve ser por essência espetacular, ou seja, fascinante e crível, quer se trate das atualidades reconstituídas ou da féerie mais delirante. Essa intuição pulveriza as distinções falaciosas, e a história do cinema (a despeito dos próprios historiadores) lhe dará inteiramente razão. Efetivamente, um filme como Una voce umana de Rossellini (uma mulher ao telefone sozinha num aposento durante 35 minutos) e Os Dez Mandamentos de DeMille são tão espetaculares um quanto o outro. Notemos brevemente que, com suas atualidades reconstituídas, Méliès terá se antecipado sobre a política-espetáculo. Sua formação de prestidigitador era a melhor possível, não somente para inventar o espetáculo cinematográfico, mas para lhe fixar os valores essenciais, ainda válidos hoje em dia. A mise en scène consiste em efeito, como a prestidigitação, em dirigir e se apropriar do olhar do espectador, em fazer com que ele veja aquilo que se quer que veja, à exclusão de todo o resto. As qualidades psicológicas e as intenções do prestidigitador são também aquelas do verdadeiro cineasta. Tanto um como o outro nos fazem descrer na realidade, ao substituí-la pela deles. Eles tornam o maravilhamento inseparável da inquietude, o fantástico e o humor indissociáveis da vertigem".

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Cinema e a Ficção



"... Bem, Mann, Ferrara, Rivette, Pedro Costa, Straub, Guerin são alguns dos mestres ainda aí que mostram isso claramente: a oposição Lumière e Méliès é, senão falsa, ao menos muito chula. Ela não dá conta do essencial, a saber: que uma paisagem, um grande amor, um raio de sol que corusca sobre o corpo de uma mulher só são vistos como experiências ( epifanias, se quiserem) retrospectivamente, ao fim da cadeia contínua de tempo, e portanto, de interpretações através da qual o espírito humano aprende a se tornar humano e, nesta operação, a tornar seu o mundo e dotar o mundo de si. Nada do que vejo hoje, aqui e a gora, é totalmente meu ou totalmente real ( é uma alucinação?, se a pessoa nunca mais me aparece, ou se eu morrer amanhã? sim, era uma alucinação). Para que um fato se torne ficção ou epifania, é preciso que decorra um certo tempo ( o nosso tempo), e é este tempo do "olhar para trás". (Júnior Soares Júnior no blog cinemacomcana)



O Júnior colocando alguns pingos nos is a respeito da ontologia no cinema me fez pensar também que,quando falei rapidamente do filme Dançando nas nuvens,de Gene Kelly e Stanley Donen, me referi a um momento em que eles obrigam a tv a se tornar cinema durante um programa de auditório.
Todos ocupados ali com um espetáculo grosseiro,mas casualmente,acidentalmente a câmera de tv filma um bandido que naquele momento ameaçava um dos protagonistas(Gene Kelly).É nesse instante que haverá uma revelação de bandidagens e,com isso,o veículo tv abruptamente torna-se cinema,conferindo novo sentido àquele programa de teor fortemente programático.
Nisso,pensei com meus botões,mas em que consistiria essa revelação(ontológicamente falando),no caso?E logo me lembrei daquela frase de Jean Renoir:"no cinema americano(o bom,claro)não existe realismo,mas uma grande verdade".
E o que virá a seguir confirma o dito.Pois é por intermédio de um certo burlesco que a cena se desenrolará para terminar em uma luta no melhor estilo de filme capa e espada,de que Kelly tanto gostava de se apropriar,à maneira de um Douglas Fairbanks.
É claro que isso tudo não sendo levado tão à sério,embora os valores em jogo sim(cinema versus tv,reencontro dos amigos,etc).Como algo que opera de maneira um tanto pastichada como em seu predecessor Cantando na Chuva,em que toda uma história do cinema é levada na base de um humor casado a uma certa afetuosidade.Por outra,ambos os filmes funcionariam como retomada do espírito dos primórdios do cinema(Chaplin,o mesmo Fairbanks,...),em que o sentido coreográfico dos movimentos comparecia imanente à dramaturgia.
Preciso seria lembrar que com toda o espírito de caça às bruxas que tomava conta de Hollywood,recorrer a esse tipo de timing de quiproquós,ou a esse estado de espírito gaiato e dançante seria,de certa maneira,estar na contracorrente dos filmes "sérios",de tese,da aparência respeitável exigida pela Hollywood de McCarthy.
Se formos um palmo adiante,saberemos que tanto Gene Kelly,quanto os roteiristas Betty Comdem e Adolph Green,eram visados pela lista negra.A rigor,eles eram liberais e incomodavam.Talvez não tão à toa os personagens de Kelly geralmente sejam feitos de homens da rua.
No começo do "Dançando nas nuvens" temos uma coreografia feita em torno de latas de lixo encontradas à esmo pela noite em uma rua.Há em Modelos(Busby Berkeley),o famoso número Alter Ego,em que ele dança com um jornal ao chão,extraindo sons do objeto...E por aí vai.
Essa América do terrorismo de McCarthy,da delação terrorista detestava a "Frente Popular".E a ausência de solenidade em Kelly,seus filmes feitos com trejeitos de criança,de gaiatice,seu senso crítico como pessoa,em algum ponto incomodavam,ao trazer de volta o espírito dos "primitivos"(mas que não tinham lá muito de primitivos).
Por outra,o cinema se afirmaria não como o lugar do "documento bruto",que isso,a rigor,não existe.A Revelação ocorreria sob forma de sombras,de personas ainda(para citar o filme de Bergman).
No caso de Dançando nas Nuvens,sob o formato de certo burlesco,das máscaras,como no Renoir de Carruagem de Ouro.Nada da escatologia de uma nudez total, mas de um emaranhado nas noções de objetividade e ficção(que aliás,são os temas mais íntimos de Cantando na Chuva e de Dançando nas nuvens e,claro,do Pirata,de Vincente Minnelli,que os influenciou.).
O naturalismo, inventado posteriormente ao período dos "primitivos",seria alterado como um rompante pelo prestigitador Orson Welles,pela poética de um Vincente Minnelli ou de um Nicholas Ray,um tanto avessos aos conceito rígidos de "verossimilhança".Isso para não falar de Alfred Hitchcock,que era criticado pela falta de "realidade" em seus filmes.No caso de Ray,um "marginal autobiográfico", explícito a desengonçar na indústria.De Minnelli e Hitchcock,um estar dentro de um grande esquema prévio,recodificando-o por dentro,deslocando-o no limite do onírico,como "médiuns" que eram, assombrados por suas visões.
Gene Kelly,como bom herdeiro dos primórdios, e também de Vincente Minnelli(com quem trabalhara em O Pirata e Sinfonia de Paris),mais indiretamente de Orson Welles,deu um tapa de luva na solenidade hipócrita da Hollywood paranóica daqueles tempos,em filmes como Um Dia em Nova York,Cantando na Chuva e Dançando nas nuvens,a nos lembrar junto aos artistas citados,de quais camadas seriam compostas as malhas de um filme,para além dos habituais dogmatismos.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Arthur e Tom





"Quase todo mundo,em quase todo mundo,conhece esse cantinho e esta canção.De tão conhecida,não se percebe o quanto exibe de sabedoria,musical e poética(sobre Corcovado). As notas tocadas a seco,sem harmonia e sem acentos, nem chegam a ser uma melodia: parecem apenas material bruto,mera repetição do intervalo de segunda maior,que qualquer criança poderia tocar na primeira aula de piano... Para não falar do exemplo mais significativo, o auto-explicativo Samba de uma nota só, cuja ironia maior está na segunda parte,com todas as notas da escala vertiginosamente subindo e descendo,contrapostas à “nota só” de antes.
“Tom é o grande mestre moderno da composição de canções no Brasil.Melhor do que qualquer outro,ele tem o gênio capaz de extrair o máximo do mínimo.É uma qualidade arquitetônica de sua música,digna de Niemeyer e Le Corbusier(entre outros mestres modernistas que o jovem arquiteto Jobim estudou),combinada a uma exuberante habilidade de incorporar tradições musicais diversas.De Chopin a Garoto,de Ravel a Gershwin,de Villa-Lobos a Caymmi,tudo vira matéria viva nas suas mãos,modulável no espaço da canção.
O resultado compõe um verdadeiro modelo novo de canção popular.Reconhecido no mundo inteiro como exemplo supremo na arte da canção,esse modo de fazer as coisas segue estimulando.. Com a obra de Tom Jobim, que começa na bossa nova e depois se diversifica e multiplica, a partir de suas próprias lições,a civilização brasileira resolve-se a si mesma em chave nova,tecnicamente avançada e metafisicamente leve."
(Arthur Nestrovski)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Eric Rohmer(1920-2010)





Morreu Eric Rohmer,um dos principais cineastas,não somente da França,mas de todo o cinema.Escrevo isso meio febril,mas não dá pra negligenciar o fato.
Último filme visto ou revisto:O Joelho de Claire.Essa obra conta a história de um homem vivendo um período que precede o de seu casamento e que, nesse ínterim,torna-se obcecado pelo joelho de uma moça chamada Claire, a tal ponto que,se não tocá-lo,não se sentirá livre para a outra união que se pretende definitiva.Tocar o joelho funcionaria aqui mais como forma de exorcizar o desejo,libertando-se dele.
O interessante no diretor é que as falas de seus protagonistas são de pessoas que parecem muito ciosas de si mesmas,de suas idéias,opiniões,etc.Rohmer coloca-se sempre ao lado nas cenas,em posição sutilmente oblíqua a essas falas(daí o sentido de parábola).É como se a verbalização intensiva de todos não passasse,como em um filme de Mankiewicz,muitas vezes de uma quimera,de uma mera ilusão que tendesse a ocultar mais o ser de si mesmo.
Ou seja,na linguagem verbal,quanto mais os personagens parecem se aproximar de algo julgando defini-lo,conceituá-lo,mais esse algo lhes escaparia.Caberia ao cinema estabelecer um suave contraponto quase musical à linguagem verbal e suas “verdades,exercendo o papel da trilha sonora que não existe.
A câmera de Rohmer quanto mais parece se afastar do ser,mais dele estaria se aproximando.Por tateamentos,que seja.Faz-se necessário pincelar,tatear para atingir algo que foge aos personagens do filme em suas respectivas pretensões de linguagem.
A cena do toque no joelho é emblemática desse método.Enquanto o protagonista toca o joelho,Rohmer aproveita para,afastando sua câmera,tocar um ser.No caso, Claire,em toda sua independência de existência e não como adendo,prolongamento de um homem e sua tara.No exato momento em que essa moça chora,a câmera se afasta e vislumbramos, por um lado,um toque em seu joelho,por outro(ao lado),uma mise-en-scène que,em seu recolhimento expressivo,ameaça mesmo tocar um ser.
O diretor não nos poupará ainda de um último momento. Até então,tínhamos a versão do personagem principal sobre os fatos,sobre quem seria o tal namorado de Claire,que supostamente a teria traído com outra,etc.Quando do desfecho da obra,em que o protagonista volta para sua terra,o namorado de Claire reaparece diante da câmera com sua versão própria,parecendo ser essa até mais plausível que a do outro homem.
Em Rohmer,quanto mais julgamos saber sobre algo ou alguém,menos sabemos.Quanto mais seus personagens verbalizam,analisam,mais perdem um foco mais preciso das coisas,que caberia ao cinema suplementar.
Em O Joelho de Claire,trata-se de uma mise-en-scène operando por suave tateamento,a sugerir por contraponto quase musical a iminência de tocar essa "verdade".
Foi-se o mestre.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Um pouco mais dos Besouros




Lembro-me de uma frase,não sei bem de quem,cuja idéia é de que "reconhecer o Srg. Pepper´s é fácil.Difícil seria reconhecer o Srg. Pepper´s nas gravações de 63,64,por exemplo".
Ouvindo essas gravações ontem,muito há de se confirmar disso.Os Beatles já tinham uma musicalidade,uma graça e riqueza diferenciada de texturas sonoras e harmonias vocais muito antes.

Voltando a um ponto.No Álbum Branco a sensação é de que as músicas foram simplesmente jogadas ali,sem maiores critérios.Nesse período,cada integrante passava a se isolar cada vez mais,existindo o momento Lennon,o momento McCartney,o momento Harrison.O sentido de química de banda estava se perdendo,se diluindo.Ou bem já havia se perdido.
Com o Abbey Road,segundo um desejo do McCartney,a banda volta à pleno vapor para seu disco de despedida,que faz praticamente um balanço e releitura de seus momentos,sobretudo naquele que antes era o lado B do vinil:As múltiplas colagens de várias canções compôem uma densidade e unidade a partir de um instrumental integrado,apesar de todas as diferenças(eles já sabiam que iriam se separar).Mas o sentido de coesão é certo,como se estivessem dando o máximo de si sabendo ser aquele seu último momento.Trata-se de um "tour de force"de musicalidade,em que parecem se superar.

Voltando um pouco novamente...Com Help os Beatles ainda insistiam em algumas regravações sem pé nem cabeça como Act Naturaly e o estado de espírito era de tentar manter um estilo reconhecido como sendo "Beatle",apesar da banda já estar amadurendo.Inclusive,tal contenção às vezes forçada seria notada no anterior Beatles For Sale,em que as meditativas No Replay e I´m a loser que abriam o disco, aos poucos iriam também cedendo para um bocado de mais do mesmo,o que seria explicitado em inúmeros regravações ao estilo Carl Perkins.Nem por isso o disco deixava de conter pérolas como Every little thing ou I don`t want to spoil the party,entre uma e outra.
A virada se daria com um disco de aparência clássica,mas com o melhor dos Beatles mais meditativos e líricos,o chamado Rubber Soul.Afinal,como um disco com um solo tão sofisticado de acordes em Nowhere man,com cítara em Norwegian Wood,com um solo de piano como o de In my Life,com a pegada instrumental no apelo de The Word,entre outras, já não seria uma assunção de "outra coisa"?
O tom existencial,ou mesmo existencialista de I`m a loser aqui seria radicalizado.Sem haver uma fúria como a do posterior Revolver,Rubber Soul foi feito em espírito de festa,apesar de seu tom tanto evocar o introspectivo do ambiente Inglês(dessa Inglaterra talvez nublada).Mas o disco é,antes,uma festa na maneira de integração de vocais, de harmonias,instrumentais e,claro,de melodias perfeitas,umas seguidas das outras(sem maiores espaços para os buracos,as lacunas da maioria dos discos,inclusive dos deles).
Para se notar onde se fazia toda a diferença,poderíamos procurar ouvir o solo com acordes,ou o enriquecimento harmônico no vocal,nos violões e nas guitarras e,claro,o contrabaixo de Paul,totalmente empenhado em desenhar melodias e harmonias,o que fugia ao modelo de marcação e de cadência que representava o instrumento no rock-pop até então.
O sentido de coesão instrumental desse disco clássico,sóbrio e inovador na surdina só seria retomado no último Abbey Road,em que,como já dito,a integração de banda caminharia ao lado de igual sentido de sobriedade.

Ps. À parte isso tudo,haveria posteriormente nos Beatles um outro tipo de preocupação com as texturas psicodélicas que não as do Revolver,naquele que seria o Srg. Pepper´s,com seu estilo de confeitaria pop,repleta de recheios(de bolos,glacês,...),cuja obra-prima se encontraria na última música do disco,chamada A Day in the life.O espírito geral do disco ganha aqui uma densidade inusitada como fecho e clímax,com a meditatividade à par de outro grande momento do disco,a música She´s leaving home,e ainda hoje surpreende.Por vezes, parece ser mais um disco do produtor e maestro George Martin do que dos demais.Certamente com Paul ali incitando tudo,já que se tratava de um projeto dele,o que pode ser notado pelo número de composições desse beatle.Bem,e o resto é mito.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Listas e os blablás




Muitas pessoas pensam que arte não "serve para nada".Em termos mui imediatos,que não os psicológicos,pode até ser que não.
Ser brasileiro talvez seja não pensar as coisas a longo prazo.Logo,se a coisa não funciona naquele exato momento,tem de ser descartada.
Ouço uma música.Nunca ouvi nada parecido.Me soa estranha.Logo a subestimo e ridicularizo,ou bem desligo o aparelho quando me está em mãos.
Assisto a um filme.Não me parece imediatamente digerível,compreensível.Desisto.Posso não voltar a ele,dar uma nova chance.
E isso não ocorre somente com a música,o filme ou a literatura que soaria "estranha",mas naquela-ou naquele-que parece às vezes "banal",meio "comum":"Ai,que chato,muito mamão com açúcar".Nisso, posso ter perdido todas as entrelinhas que são às vezes até mais presentes em estilos mais suaves,de uma maior "simplicidade".

Bem,nessa de gratuidade,de não ter o que fazer,ou da "arte de não fazer nada",de Alberto Caieiro(aquele homônimo do Fernando Pessoa),um amigo enviou-me um e-mail com uma lista(argh!...)com o top dos Beatles.
...isso,daquela banda inglesa que influenciou meio mundo na música pop,o que acabou gerando a idéia equivocada de que teriam parido os anos 60.Muito pelo contrário.O que eles podem ter feito é uma rara leitura do momento(dos momentos).Mas, por serem artistas,operavam como um canal estético daquilo.
A rigor,hoje essa história de parir uma época importa menos do que a mina de dinheiro implicada.Um disco dos Beatles remasterizado num momento em que os preços dos originais caem, adaptando-se à pirataria em voga,é de um absurdismo "Beckettiano"..
A música pop,ainda que de qualidade,torna-se elitista nos preços(enquanto,claro,a música erudita nem tem preço de tão barata que costuma ser,assim como muitos discos de jazz,por exemplo).A música dita clássica a preços populares e a pop,a preços cabulares,elitizando-se.
Assim, os Beatles tornam-se a música da classe média brasileira,por excelência.A "música clássica" da classe média,quando mereceriam bem mais-os Beatles,nem tanto a classe média.

Voltando ao não fazer nada,quando não estamos ganhando dinheiro no tempo frenético da contabilização do lucro da produção informativa e informatizada,podemos nos pegar também,por que não,fazendo listas.De preferência sem maiores sisudezas e solenidades.Daí que enviei também a minha ao amigo.

A reproduzir:

"Listas,na maioria das vezes,podem não servir para nadar,nem para clarear algo ou o que for que venha a somar.Mas são boas para quebrar o gelo.


1-Rubber Soul-Conjunto impressionante de canções perfeitas.Como os Beatles sempre foram mestres maiores do lirismo-de canções,no seu caso-a coisa anda muito bem,do início ao fim.Mas há muito mais experimentação do que parece e The Word é o caso mais escancarado disso.
Disco de clima inglês nublado.Mas desse parti pris tão intimista e introspectivo,tendo de fazer uma auto-prospecção e achar todas as pérolas.

2-Abbey Road-Contém algo até de enfadonho em certos momentos,mas a vitalidade que vai ganhando o que antes era o lado B do vinil não é menos que impressionante.
Os Beatles se despedindo em chave de ouro,em seu melhor instrumental e sua produção mais sóbria,sem ter de provar nada.

3-Srg Pepper`s-A experimentação dos discos anteriores encontra de vez o psicodelismo.
Como não ligo tanto assim para o psi,ele não entrou mais à frente.
Trata-se de um disco com necessidade de provar algo grande,por isso o peso da produção,tornando-o por muitas vezes mais do Martin do que dos demais(o que pode ser notado nos raros momentos de contrabaixo e de guitarra).
Pode soar menos orgânico no conjunto em comparação com os anteriores.Mas como tem a Day in the life e With a little help from my friens,por exemplo,trata-se de uma produção que só o Martin poderia perpretar como erudito maestro que entendeu com profundidade o pop(falsa contradição),contando com os momentos de gênio dos garotos.

4-Revolver-Esse flerta com o indianismo e com força.E isso o torna com cara de mais ousado do que o precedente Rubber Soul,o que nem é verdade.É só mais descarado,mais explícito.
Um disco com Eleanor Rigby e For no One só poderia ter ótima posição.
Here,there and everywhere é forte,mas a gravação vai no encalço do sucesso de Yesterday,tornando-se burocrática.
Grande pegada de rock em Doctor Robert e outras.
O delírio de Tomorrow never knows deixa entrever o de certos momentos do Pepper´s,que seriam mais consequentes e burilados.

5-White Album-o famoso "colcha de retalhos" dos Beatles contém um pouquinho de tudo dos momentos solos de cada artista(com exceção do Ringo,que não poderia ser chamado de compositor).
O disco traduz toda a loucura de 68,seu caos,tanto que por vezes beira o ocultismo(Não tão à toa foram vistas pistas satanistas na obra).Não que fossem necessariamente satanistas,mas é um disco que flerta com o melhor e o pior de um momento conturbado.
Infelizmente ou não,isso surge mais como reflexo e sintoma do momento do que como algo um pouco mais assumido.O que o torna à vezes tênue demais,com uma prolixidade de retalhos,por um lado,ou uma contenção exacerbada de tom,por outro(Long,Long,Long,por exemplo).
O disco constitui-se como uma transição da psicodelia do Pepper´s e do Revolver para algo mais sólido,mais depurado(ou mesmo musicalmente maduro)que seria achado no Abbey Road.
Um disco com Sexy Sadie e Blackbird opera melhor nas partes que na visão do todo.Mas as partes-não todas,podem ser(como são)dilacerante."

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Affonso Romano de Sant'Anna:os óculos de Drummond e a poesia




Já que encontrei o texto do Affonso a que me referi no post baixo,não dá pra privar o leitor da informação.Melhor,da formação. Quem tem olhos para ler,que leia.
E quem quiser tê-los para ver,que veja:

OS ÓCULOS DE DRUMMOND




Affonso Romano de Sant'Anna


Por sete vezes quebraram/ roubaram os óculos da estátua do poeta sentado num banco da praia de Copacabana.

Poderia, por isso, mandar para o outro mundo onde Drummond finge repousar, um e-mail contendo um "Poema dos Sete Óculos" parodiando o seu " Poema de Sete Faces". Vejam, a Prefeitura do Rio acabou de soldar o sétimo óculos ao seu rosto exposto à maresia e à cegueira dos vândalos. Cada restauração custou R$ 3 mil à Fundação Parques e Jardins, o que totaliza R$ 21 mil.

Quanto vale o olhar do poeta?

Botaram uma câmera escondida, tipo Big Brother, para flagrar o próximo atentado. Quem viver, verá.

No meu " Drummond o gauche no tempo" (agora em nova edição pela Ed. Record, comprem! é ótimo! ), tentei ver, enxergar, contemplar a questão do "olhar" na obra de Drummond. Revejo o que escrevi há mais de 40 anos. Meus irmãos e minhas irmãs e todos vós que acreditais na imortalidade da poesia, há que ver para ler.

É que a questão do "ver" nesse itabirano passa por três transformações. No princípio, como é do gosto dos mineiros, ele apenas "espia" ( "As casas espiam os homens/que correm atrás das mulheres"). Espiar é uma forma de olhar sem se comprometer. Vê, mas finge que não vê. Por isto, naquele mesmo poema diz: "Porém meu olhos/ não perguntam nada".

Depois, na medida em que penetra na complexidade do mundo, em vez de "espiar" ele "olha" e até descobre que existe em Paris uma "Rua do Olhar" ( "Uma rua- um olho/ aberto em Paris/ olha o mar,/ na praia estou eu"). Esse verso parece até prenunciar a estátua que lhe fizeram beira-mar. Ao descobrir que o mundo é maior que seu umbigo e seu olhar ele declara: "Meus olhos são pequenos para ver". É aí que ele experimenta a "náusea" de ver a complexidade histórica seu tempo.

Depois da fase do "espiar" irônico e subjetivo e do "olhar" social e histórico, chega à terceira fase: o "espiar" e o "olhar" se convertem em "contemplar". Vejam a diferença entre o não-compromisso do "espiar" o drama de quem "olha" e descobre o outro e, finalmente, a grandiosidade humilde do "contemplar" É a maturidade trazendo seu "agudo olhar". o "olhar experimentado" diante do amor e da morte. Por isto, pode até desdenhar o que a "máquina do mundo" lhe oferece.

Estão vendo como é interessante a análise estrutural de poemas?

Estão vendo aonde nos leva a depredação de um bem público?

Estão vendo o que o poeta nos leva a ver com o seu olhar?

Pessoas inteligentíssimas, seriíssimas, preparadíssimas como o filósofo Martin Heidegger dizem que o poeta nos ensina a ver, a desver e a rever. E teve um poeta -Victor Hugo, que advogando em causa própria, dizia que o poeta era capaz de ver na confusão do presente, o que o futuro nos traria. Ele acreditava na mistura de poesia e profecia.

Desconfio que Drummond nunca vislumbrou o constrangimento público porque passaria depois de morto. Pessoas culturalmente cegas estão caçando e cassando seus olhos.

Por que incomoda tanto o olhar do poeta?

Por quantas vezes sobre sua face teremos que refazer os óculos? Sete ou setenta vezes sete, como pacientemente recomendam as Escrituras?

Com óculos ou sem óculos, o poeta junto ao mar olha o novo ano que se inicia. Fogos de artifício, músicas estrondosas, desejos e rezas espargidos sobre a areia desenham um novo ano e as primícias de uma nova década.

Abram o poema "Consolo na praia" e comecem a ler:

"Vamos, não chores...

A infância está perdida

A mocidade está perdida

Mas a vida não se perdeu".



_______

(*) ESTADO DE MINAS/CORREIO BRAZILIENSE, O3.O1.2010

Blogs e críticas




Em alguns blogs,as questões referentes à critica de cinema voltam à baila.

Uma das perguntas que deveríamos nos fazer é:a quem interessa essas questões?
O que está sendo discutido de fato alterará a percepção do crítico em relação a seus textos?
Teríamos de padronizar uma "maneira certa" de se fazer uma crítica,de escrevê-la?

Esse blog que vos fala,por exemplo,não é um blog de crítica.O profissionalismo exigiria talvez outro tipo de elaboração,enquanto que o que se escreve por aqui é feito no calor da hora,captando rapidamente algumas percepções ou impressões,dependendo da ótica.

Se ainda não inventaram um edital de blog,o desse seria:Proposta de educação.Ou seja,um prolongamento do que já faço em sala de aula.
Estilo:Que seja uma casa aberta.

Outra questão a se fazer é:seria interessante falar sobre música,cinema, restringindo-se ao enfoque da arte pela arte?Ou algo escapa para a vida?
Certamente que música e cinema,por exemplo,não resumem a vida,mas estão entrelaçadas a meu ver.

Seria interessante fazer uma crítica esotérica,ou seja,para os já iniciados?
Tomara que não.O cinema,por exemplo,é a mais marginal das artes e um dos motivos estaria no fato de quase nunca ser visto como arte.E,por outro lado,os que o veem como uma delas,tendem a querer jogá-lo em nichos "respeitáveis",de chiqueza cult,embora vazia.
Um filme não pode ser comercial e artístico?
Como diferenciar um artista daquele que não o é na indústria,por exemplo?
Como diferenciar o artista do mero tapeador nos meios cults?
Um artista precisa sempre ignorar o público?
O crítico precisa sempre ignorar o público?Pra quem ele escreve,afinal?Para sua tribo?Para os que já leram Bazin?Pra quem entende teoria musical?

Repito que esse não é um blog que se propôs como sendo outra coisa que não de educação.E uma das estratégias de certos educadores é seduzir aquele que será formado ou informado.Ao menos,dos pedagogos menos conservadores.

A veia,digamos,mais poética vai de cada um.Uns tem muito dela dentro de si.Outros nada e apenas forçam.
Depende se o olhar do camarada é mais poético ou não.Se já trás isso dentro de si.E crítica é olhar.Cinema?Deveras.

O Affonso Romano de Sant`Anna num texto no Estado de Minas de Domingo sobre os óculos de Drummond em Copacabana cita Heidegger em algo como "a poesia é a arte de ver,desver e rever".
Mas lembrando aqui,o mesmo Drummond já falava:"O último trovador morreu em 1914.Tinha um nome de que ninguém se lembra mais".
No novo milênio haveria espaço para a poesia,depois que,por exemplo,o cancionista Chico Buarque decretou o fim da canção?
Então ouvir Cole Porter,Tom Jobim estaria fora de moda?
Mas a quem interessa a moda?Já que ela é tudo aquilo que,para ser o que é,tem mesmo de passar?
Ser poético é ser romântico?Essa é fácil e já respondo.Não.Nem sempre.

A dificuldade com a poesia mostra não que ela tenha morrido,mas que se encontra tão viva quanto certas formas de defesa próprias a uma maneira de se adequar a uma certa lógica no mundo,que tende a repeli-la.
O que é gratuito,a contemplação,por exemplo,em princípio seria o contrário do "dar lucro".Ao menos,imediato em um mundo cada vez mais veloz.Já que o que manda mesmo é a deusa informatizada,a deusa ciência,a deusa informação no mundo do espetáculo da sala de estar ou das ruas.
Daí que muitos filmes de Shyamalan ou de Tim Burton não sejam compreendidos.Uma música de Gershwhin ou de Burt Bacharach seja vista como melosa,um musical de Minnelli como "demodé".Inocente demais.Ok.As letras de Ary Barroso também seriam.De Cartola?Muitas.
Estamos viciados em "factualidades" e factóides.Somos escravos da lógica dos jornais,não somente da lógica tecnológica.
Desaprendemos certas coisas ou as tememos?O que podem pensar que sou se acreditar nessa fábula,nós tão cínicos e desiludidos,escravos da banalidade,não podemos simplesmente crer.Porque isso seria muito simples.

Mas e a simplicidade,dá lucro?

domingo, 3 de janeiro de 2010

Notas de ontem




Revendo ontem,de surpresa o "Dançando nas nuvens",último filme de Kelly-Donen,a dupla que havia dirigido "Um Dia em Nova York" e"Cantando na Chuva" anteriormente,fica nítido que se trata de uma elegia,de um filme em tom de despedida.Não somente da dupla,que não mais trabalharia unida,mas do próprio musical e de uma era.
Seja pela fotografia em tom acinzentado para o azulado,ou seja,bem mais esmaecida que a dos filmes anteriores,embora única,belíssima.
Cheguei a já falar que é o roteiro mais inteligente da dupla Betty Comdem e Adolph Green,que juntos trabalharam nos demais musicais citados,como também em "A Roda da Fortuna",de Vincente Minnelli.O que se tornou quase moda aqui parece ser um certo estilo paródico de sátira à sociedade do espetáculo industrializado.Por exemplo,na cena em que a apresentadora abre seu programa de tv cantando em estilo Marylin Monroe,comparece repentinamente uma fotografia branca, de uma frieza assustadora, metálica,como em uma art pop de um Jasper Johns e suas bandeiras norte-americanas gélidas e ambiguamente pintadas.
Certamente existem outras camadas,mais na cara do que propriamente ocultas:como no fato de que, aquele era um momento em que o cinema passava a rivalizar com a televisão em concorrência e o musical seria um dos primeiros a dançar(com o perdão do trocadilho),ou seja,a não mais dançar.Mais do que natural o tanto que o filme pega pesado com a tv,tomando radicalmente o partido do cinema contra o novo veículo.
Num dos últimos momentos do filme,Gene Kelly,Stanley Donen,Comdem e Green,obrigam a tv(veículo de maqueamentos e velamentos)a se incorporar ao cinema,em um belo jogo de espelhos,em que a primeira passará,ao menos por segundos,a realizar um papel de presenciação e nisso,de revelação de dados dentro do contexto de um anódino programa de auditórios.
Contudo,todo esse sentido de sátira atroz e de despedida,de fim de uma era(não somente dos musicais,mas de um cinema)não tornam "Dançando nas nuvens" um filme excessivamente melancólico ao ponto da mumificação.Pelo contrário,é vivo,contém lindas coreografias como as de Cyd Charisse em seu papel mais sóbrio em um musical,mas dançando com os boxeadores em estilo de cartoon e de desenho animado,ou Gene Kelly superando-se mais uma vez ao dançar de patins,lançando-se livremente na rua,ou seja no momento em que os pracinhas,chapados de álcool improvisam um número com as latas de lixo mais ao início do filme.
Um esclarecimento seria dizer que, no momento solo de Kelly, ele não parece tentado a repetir a façanha de "Cantando na Chuva",e talvez por isso a cena-(como os demais momentos do filme)-,seja conduzida com raro sentido de serenidade,como bem conviria a um obra de maturidade, de crepúsculo.
É um fecho mais do que apropriado,em chave de ouro,para uma belíssima trilogia.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Belo 2010


Em breve,postagens sobre filmes vistos ou revistos:


"O Alucinado":ponto alto na carreira do cineasta espanhol Luis Buñuel.
"A Filha da Água":primeiro longa do cineasta francês Jean Renoir:muito mais do que meramente promissor,mas já um grande filme.
"A Tortura do Silêncio":O cineasta inglês Alfred Hitchcock não somente em seu momento áureo(nos Estados Unidos),como trabalhando com rara pregnância humana os temas mais íntimos de sua obra.
"Adeus,Amor":musical encantador(e brilhante)de um George Sidney aqui não trabalhando somente a partir de seu talento de esteta,mas bem ao estilo da veia mais satírica de um Frank Tashlin(em um período em que o herdeiro mais direto desse cineasta,Jerry Lewis,já realizava também sua obra).

A foto é desse musical com Ann-Margret.
Belo ano para todos,com vigor e imaginação!