segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas- "Tolas, se não não seriam cartas"








Clint Eastwood nos traz o cinema "da evidência", de Howard Hawks. Da câmera à altura do olho humano.

Contudo, de um Hawks mais ao estilo "Hatari! "( ou pós), onde os homens não se encontram no centro.

Em seu cinema, em meio a uma narrativa que nos parece clássica, tudo gira em torno e, assim, tons e gêneros se metamorfoseiam como instabilidades.


Nesse caso, gêneros norte-americanos serão recodificados: fazendo gira o thriller em "Um Mundo Perfeito", o filme de boxe em " Menina de Ouro"- em que justo a queda de uma lutadora equivalerá a sua libertação. Ou a recodificação do filme policial em "Crime Verdadeiro", em que tons sombrios igualam vítimas e profissionais, como fantasmas vivos pincelados pela direção.

Essa última acopla o isolado Ethan, de "Rastros de Ódio" (John Ford) que, ao mesmo tempo em que tudo perde, favorece uma família e vice-versa. Junto ao cineasta alemão Fritz Lang, com a engrenagem da máquina da pena de morte sendo trabalhada como algo -também- da ordem do metafísico.

Se a salvação dos condenados é certa, tal momento não nos será mostrado: somente a imagem congelada da esposa do condenado, sob a forma de reticências.

(A salvação nos aparecerá, pois, como sendo algo da ordem do “irreal”. Do surreal).



Certa feita, cheguei a escrever:



“ Temos aqui um personagem à cinema americano clássico, fiel a suas tarefas, levadas até o fim. Publicamente, obstinado em suas causas.

Privadamente, péssimo pai e marido. O que ele guarda de si mesmo são suas sombras, seus estilhaços, como o Ethan de "Rastros de Ódio"- igualmente um fiasco na vida familiar, a viver a vagar por entre os ventos.


Essa obra volta a inserir a questão do olhar desconfiado e, somente assim, um homem poderá livrar um condenado injustamente à pena de morte.

Ou seja, retoma-se o problema das vistas embaralhadas presente em “Um Mundo Perfeito”: a imagem fantasma, a sombra sugere a verdade -ou, a não verdade-, por outro viés, que não o óbvio.

Essa imagem de cinema esteve por ali desde o início, em meio aos estilhaços, a carregar consigo uma História de histórias: corpo ausente e presente.


Mas o protagonista Clint é possuído por dados que somente pensa dominar.


Tanto que, ao se resolver a trama, os dilemas do herói-antiherói não o serão. Muito menos, será ele agraciado pelo homem salvo, uma vez que parece não ter feito mais do que sua obrigação: “Que os mortos cuidem dos mortos”. Agora é ele o condenado.


No momento final, em que a ex-vítima e o protagonista trocam olhares- após a cena chave em que certa inverossimilhança faz valer a ideia de milagre em surdina (não mostrado)-, serão ambos sombras, mas cada qual à sua maneira:

O homem liberto, com crenças mais definidas, a se despedir. E, em posição diametralmente oposta, o personagem de Clint, a partir pelo outro lado do enquadramento.


De um lado, um personagem salvo e sua família, a seguir. De outro, o protagonista- consigo mesmo para carregar. É, portanto, e de certa maneira, uma variante da cena final do clássico "Rastros de Ódio", de John Ford, com o verde ao fundo, em meio à noite e um jazz melancólico a se instalar em cena.

É após a imagem da troca de olhares, vivida em tempos de Natal, que a obra compõe seu agridoce cartão natalino: um cenário escuro esverdeado a permanecer em cena, estaticamente, como uma bela natureza morta, na medida em que os créditos fluem até a dissolução da imagem."




Em "Além da Vida", em que muitos esperavam por um filme sobre o "além", o que a obra novamente nos impõe é o cinema da câmera à altura do olho humano, da evidência do olhar.

Sem negar propriamente um além, trata-se de um filme de buscas, de relações e de toques. Com alguns tateamentos, um pouco à maneira do cinema independente de John Cassavetes. E a obra, portanto, a girar em sua configuração de instabilidades.

Ou bem, a impor seu sentido da incompletude humana, tal como na obra do diretor alemão Fritz Lang ( de "M", "Um Retrato de Mulher", " Scarlett Street").


Mas o que seria, no caso, esse além- em nós ou fora de nós?

É justo o que confere o perigo de estar diante de seus limiares pessoais ou suprapessoais- mais ao estilo de Howard Hawks ( autor de " O Paraíso Infernal", "À Beira do Abismo", "Rio Bravo", Hatari!")-, traduzidos para o mundo atual de desastres físicos.

A tela que aprisiona os personagens é a mesma a abri-los, em travessia pelo mundo.

Limites e expansão. E não um filme a mais de "foco espírita".

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