terça-feira, 17 de maio de 2011

Notas para um um Cinema de Questionamentos






M. Night Shyamalan, até certo tempo, não significaria muita coisa para esse espaço. Aliás, mal assistia a seus filmes, como ocorre com a leitura de um Paulo Coelho, guardadas as devidas e enormes proporções, inclusive de vendas.

Com "Sinais", as coisas mudariam de figura.

A mídia, até então, tratava o diretor de herança indiana como uma espécie de novo Spielberg. Ao assistir a "Sinais", os alienígenas da história mal compareciam. Tratava-se de uma ameaça real, ou de uma subjetividade que iria ganhando um cunho a um tempo coletivo e particularizado? Em todo caso, um aspecto que se repetiria por várias vezes em sua obra.

Nessa, um ET não é glorificado, idolatrado, como um belo “de fora” a nos salvar. Tal ser, mitificado em outros cineastas (como tentativa também de salvação das bilherias de cinema na era das grandes produções infanto-juvenis) comparecerá aqui em vestígios de reflexos fragmentados, constituindo imagens baças.

Nos confrontamos, então, com um estranhamento a se situar entre certo horror, tênue piedade, ou sei lá o quê mais- o que dependerá da argúcia de cada um. É nesse estado de nula representatividade aparente, que silêncios e dúvidas se infiltram.

No caso, o dito ET que nos aparece como mal refletido “em algo” não seria, ele mesmo, o reflexo de um estranho em nós? Fato é que o poder de nosso olhar, com sua onipotência tão condecorada em habituais fábulas passa, no mínimo, a ser relativizado.

De onde transpassará um novo questionamento: os únicos a poder parir uma fábula minimamente viável hoje - um pouco como no cinema iraniano de Abbas Kiarostami-, seríamos nós, espectadores, como uma espécie de extensão de Mel Gibson, o protagonista impotente da obra, ao contrário dos papéis que o consagraram?


Alguns dirão que nada disso importa, que não seria essa uma “crítica séria”, se é que se trata mesmo de algo com objetivo tão “ambicioso e quase inalcançável”. Em todo caso, prossigamos.

O que foi dito já não seria, de alguma maneira, algumas das constatações a serem feitas em um sucesso como "O Sexto Sentido", onde, a rigor, importaria menos a revelação-reviravolta do roteiro, do que a constatação de que o olhar do protagonista e, por extensão, o nosso em uma fábula é paulatinamente posto em xeque: Bruce Willis, psicólogo: homem, portanto, do suposto saber, com seu olhar conjugado ao do espectador, pensa ver os seres. Entre eles, uma criança que, por certa nudez no olhar é quem poderá enxergar um pouco melhor.

Shyamalan parece, em todo caso, confrontar o desgaste da visão contemporânea, em meio ao excesso de imagens com que nos defrontamos de forma poluente.


Em "A Vila", por exemplo, já com maior independência após alguns sucessos, decide por "chutar de vez o balde" e, com isso, perderá adeptos. Entre os mesmos, aqueles que, equivocadamente, o viam como um novo Spielberg.

Na obra em pauta, o insólito e deveras contemplativo é radicalizado, para a frustração dos que preferem obras mastigadas e bem catalogadas. De roteiro minguado, as lacunas se impõem ao filme como meditação de imagens.

Há algo na relação dos personagens com os cenários, a intercalar espaços interiores e exteriores em trajeto telúrico a aéreo dos seres, o que nos permitirá confrontar os gêneros da fábula.

"A Vila" desmascara o artifício do tipo de terror "proposto", com o suspense provindo unicamente do inusitado de imagens silenciosas. Contudo, não se trata, em absoluto, de negar o recurso fabulístico, uma vez que uma cega no périplo - a criança dos adultos-, será a única a poder levar alguma possibilidade de cura para uma aldeia desgastada, justamente pelo fato de "não ver".

Se olhos cansados ou cínicos carecem de reinjeção, por outro lado, nada na obra opera como retórica. O que fica são mistérios, lacunas, silêncios.


Em "Fim dos Tempos", o clima de apocalipse do filme "Sinais" é retomado. Há dificuldade de comunicação e o diretor, por uma vez mais, anulará os álibis da trama, com os trajetos se afirmando como provenientes de seu detido trabalho de direção e experimentação de sons e imagens, independente de ser essa, a princípio, uma obra de gênero.

O que se dá a ver é certo clima de filme B, tempos mortos e um sentido raro dos ambientes e da relação dos personagens com seu entorno, normalmente ao ar livre. A meditação construída num espaço/tempo, que caberá somente ao espectador recompor, se e quando possível.

A suposta redenção, com o encontro do casal focado à distância, sem os habituais campo/contracampo ou sequer planos americanos reafirmam o clima de não invasão do mistério dos indivíduos e de suas relações. Ou seja, se a obra parece reduzir o clima de horror aparente, não será a mesma a entregar uma solução.

Imagens, ao final, comparecem como estáticas, em estado de congelamento a se somar à anterior, de redenção. Ambas breves no interior dos planos, dentro de uma lógica de estranhamento no emprego da montagem.


Já "A Dama na Água", trabalho anterior do indiano, chegou a ser criticado como filme tolo. Afinal, o que pensar de uma história baseada em um peixe-fêmea ( não o "Peixe Grande", de Tim Burton, mas cabe uma analogia), a mobilizar uma narrativa? Na verdade, um prédio- estilo condomínio fechado- filmado e fotografado em luz baça.

Fechado, entrópico quanto a aldeia de "A Vila", ou a família de "Sinais", em seu alocamento de frustrações e sentimentos de perda. Para completar, um cínico crítico de cinema entre os moradores, atento aos clichês que pensa dominar.

Ao valorizar o processo das palavras, da dita oralidade, a obra restitui aos personagens- com custo- um estatuto, enfim, materializável, filmável pela interseção entre os vários apartamentos, com as palavras a operar como reconstrução de um sentido de crença, em liga com a imagem em mundo gasto.


É um pouco assim que Shyamalan trabalha. Revira clichês, retrabalha o estatuto das imagens, seja instaurando dúvidas em um olhar pretensamente onipotente, seja a resgatar a substancialidade das palavras- do Verbo- em pregnância com as possibilidades de visão.

Por haver seguido um coerente percurso de desconstrução do cinema habitual de roteiro - seja de atuais certezas industriais, como das descrenças intelectualistas-instaurou um sentido de desaprendizagem e aprendizagem da representação do tempo para o cinema ocidental ou norte-americano, ao conduzir o foco para o interior de planos silenciosos. Ou seja, para ambientes em construções prolongadas de espaço, como uma espécie de Kiarostami do cinema ocidental.


Nada disso negaria o aspecto de fábulo presente em seu cinema. Dessa maneira, o preço do sucesso aumenta. E a arte, no caso, tende a ganhar.


Ps- Na foto, a natureza viva em "Fim dos Tempos"

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