quinta-feira, 12 de maio de 2011

Minnelli e o drama musical








Reassisti "Some Came Running" ( Deus sabe quanto amei) e talvez seja meu filme favorito, e um dos três melhores do cinema.

Seja pela maneira delicada de retratar modos de vida, o que não excluirá certa crueldade. Seja pela filmagem em que, como no cinema de Alfred Hitchcock, cenários em discretas mobilizações existem em função de flexíveis e amplos movimentos de câmera.

Um grande melodrama clássico torna-se moderno. E um dos motivos se encontraria na extrema opacidade do rosto de Frank Sinatra- quem é esse homem, afinal?. Ou bem, na ausência de julgamentos definitivos, apesar da obra não excluir a aguda observação sobre a estagnação encalacrada de um mundo.

"Some Came Running" tem a seu favor um trunfo, que é saber intercambiar o tom amargo com a generosidade do olhar.

Como também poderá, de um momento a outro, recorrer à licença poética, quando mobiliza com rara delicadeza a iluminação e o enquadramento, de maneira a cortar o elo com a narratividade "convencional"- a que acompanharia a continuidade de um enredo-, no momento da suposta entrega da professora a Sinatra, em contexto visual de filme de câmara (no sentido em que se fala em orquestra de câmara, econômica).


Licença poética na famosa cena final, em que a cidade parecerá impassível frente aos dramas que se desenrolam à sua frente, sob forma de suspense.

Aqui o dilaceramento dos seres apontará para o dilaceramento de toda uma cidade, com seus signos e valores. O espetáculo formado é reflexivo, em que uma tragédia é conduzida com cores e estilo de um filmusical- outro gênero em que se especializou o diretor.

A montagem da festa na cidade equivale à montagem dos bastidores de um cinema ilusionista: ficção em último grau colada ao realismo, em que uma camada se somará a outra, tornando o momento clímax uma tragédia de tônus sacro.

A moça vista como prostituta pela cidade (Shirley Maclaine) talvez seja a única "santa" nessa história, um tanto por não jogar- ou saber jogar- como os demais? Afinal, o jogo na obra comparece tanto nos aspectos de aparência do poder social, quanto no universo dos inconformados decadentistas em seus jogos de cartas.

Contudo, não se trata de simples julgamento. Como em toda ( ou quase) obra do diretor, a câmera foca as laterais dos enquadramentos, passa ao centro e vice-versa: marginais e burgueses, não somente separados, como divididos entre si- em seus próprios grupos.

Mas é na cena clímax que todos comparecem como parte integrante de um mesmo curto-circuito na montagem- a que suspenderá o tempo lógico da encenação. No caso, um labirinto é composto, cuja estilização de espetáculo revelará, enfim, o perdido: ninguém se acha, as "ordens" são cegas. Todos se encontram, de alguma maneira, deslocados, mas quem sabe agora também possuídos por alguma visão.

Ao menos, alguns. Dean Martin abre mão de seu apetrecho- um chapéu- no plano final, em que a moldura de um sacro quadro se faz evanescente até a chegada do "clássico letreiro": the end.

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