segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cartas







Um amigo chegou-me a dizer que reassistiu, após muitos anos, ao "Professor Aloprado", de Jerry Lewis. Não tendo gostado, decidiu por enterrar de vez o artista.

Reproduzo a resposta enviada por mim via e-mail:


"O Professor Aloprado" não se entrega hoje com facilidade. Mas basta compará-lo com o do Eddie Murphy (remake) para ajudar no processo.


"O Professor" é daqueles em que o riso fica entalado na garganta. E, afinal, por que seria? Tanto mais por mostrar um espelho algo grotesco do "modo de vida norte-americano". E, em que consistiria esse espelho? Em primeiro lugar, em algo invertido, como todo bom espelho.

Partir da constatação de que só os "bem sucedidos", os winners teriam vez nessa terra. É exatamente o que gera as aviltações, humilhações passadas pelo protagonista. E isso, convenhamos, não é nada engraçado.

Ele não mora em padrões. Mas seu sentimento de inferioridade o obriga a buscar uma fórmula, como em "O Médico e Monstro", que o torne "A Aparência", por excelência: o grande cantor canastrão, à maneira do galã Dean Martin, com quem contracenara no passado ( aqui coube uma paródia ao ex-companheiro). O conquistador megalomaníaco, bem vestido, etc. E até aqui pode parecer o fácil ainda.

Esse mundo de simulacros que era -é?- a América que aborda só oferecerá espaço para um outro simulacro. O que impele um homem massacrado a apelar para o artifício da Perfeita Imagem. Leia-se: dentro dos protocolos do consenso norte-americano do que seria a dita cuja.

Todo o filme é desenvolvido sem a continuidade típica, linear do cinema dito clássico. É o que trunca a história, e oferece espaço para ruídos estranhos, literalmente falando- inclusive. Claro, pois não há, a rigor, história. Mas História.

A ambiguidade radical da imagem consiste em mostrar um homem dual: galã e monstro, e em como essas instâncias se chocam e se ligam na imagem de uma forma desconcertante, nada agradável. É, portanto, um filme que puxa o tapete do espectador acostumado com o carisma do ator. Lewis aqui é "homem, monstro, galã", ao mesmo tempo. E tudo isso é, desconcertantemente, uma coisa só para a América do filme. Tanto que, ao final, todos querem ficar com a poção, que é a promessa de juventude e saúde eternas. Atualíssimo.

Ou seja, não há final feliz, nem para os protagonistas. Sempre ficará a dúvida: a menina por quem ele se apaixona, e vive-versa, gosta mesmo de "quem ele é", como sugere o momento do espetáculo, da destransformação? Ou bem, do galã artifício que mora dentro dele. Já que, ao final, o casal roubará a tal poção, em momento de extrema ironia para um final de obra.

(Ou bem a moça gosta de ambos?).

As frustrações por que passa a cultura da Aparência, do elixir da juventude são passadas a limpo por J. Lewis. Aqui não há heróis, nem ciclos que se fecham a fim de nos encantar (leia-se: facilitar).

Enquanto ator que trabalhava com Frank Tashlin, mesmo em meio às críticas ao “modo de vida americano”, Lewis se dava ao luxo da gratuidade do carisma natural. Quando passa para a independência como diretor no cinema dos anos 60 (plenos anos 60, importante facto) , é o cinema do desconcerto quem fala, e Jerry estará à frente nos USA, não deixando nada tão mastigado para o espectador: sem linearidades, "história montadinha", e com falso "final feliz",...

O que manda é a Imagem. Imagem essa plena de dor, dualidades, monstros e galãs, em único arranjo de frustrações e megalomanias: espelhos invertidos.

A ambiguidade desconcertante da Imagem como trunfo. De um mundo rachado ao meio, tal como o detectado pelo cinema moderno. E Lewis, na América desse período, foi dos poucos a entender isso."


A despeito dessa didática defesa, meu filme predileto do artista continua sendo "O Otário".

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