sexta-feira, 15 de julho de 2011

Continuação- Hitchcock, Dostoiévski e simbolistas







Seria possível, a partir até dos críticos chamados "jovens turcos" sugerir algumas hipóteses, inclusive dessa relação entre cinema e "mística", espiritualidade, numa continuação, por outras vias, de André Bazin.


1- Gravidade e Graça:

Em "Janela Indiscreta", há tanto as projeções do fotógrafo- James Stewart- quanto a presença do corpo no mundo- por Grace Kelly.

Para o diretor inglês, o cinema ocorre nesse acoplamento em que ideia (projeção) e matéria se interceptam a compor os limites do mundo-ficção.

Ou, em outros termos ou sub-planos, o cinema define-se moralmente como o lugar da Gravidade e da Graça morais, nada indigno dos tormentos de Dostoiévski, grande escritor russo.

A Gravidade presente no fotógrafo Stewart, a carregar consigo forte suspeição e a persecução no olhar siderado.

E a Graça, ou seja, Grace Kelly, sua namorada, a participar com a leveza e o plainar dos corpos, tal como na cena crucial em que ocupa o apartamento do assassino para o orgulho e a angústia do namorado que supõe, dessa feita, perdê-la para sempre.


2- Fotógrafo do Moderno e Vampiro de Charles Baudelaire:


Nessa obra é mais do que nítido que, em Hitchock, o cinema é o lugar da visão e da alquimia atualizadas.

O protagonista é um homem noturno, que mal dorme para vigiar os habitantes do outro prédio, tal como um "vampiro" de Charles Baudelaire a querer sugar a aparência dos seres, compondo para si os sinais na trama das correspondências. Ou seja, é um pintor-fotógrafo e analógico da modernidade.

Grace Kelly, de frívola burguesa ocupada com a moda dará seu salto definitivo. Encontrando a ponte que a conduz para o outro lado da vizinhança, em que escalará com a ligeireza e o flutuar de alguém que se descobre e se desdobra como seu avesso, corpo angelical.

Dessa maneira, trará consigo a possibilidade de libertação do namorado, de suas obsessões de não comprometimento e de leviandade do olhar.


3- Olhar para a Tela e ser Olhado por ela

Após revirar as provas do suposto assassinato que teria desencadeado as atitudes de suspeição do fotógrafo, entregará indiretamente o mesmo ao assassino, ao escancarar com toda graça (Graça) um nítido sinal- a aliança: prova do crime e possibilidade de união para um casal. Em outros termos, desconstrução do amado e alquimia moral.

No universo de Stewart, a casa do crime se constitui como a hesitante moradia das projeções de um fotógrafo. Retirar, portanto, em meio a esse projetado cenário cinematográfico uma aliança seria menos trabalho de ourives do que contundente alquimia detalhada e enfatizada dos sentidos, de sinais (signos) imagéticos. O cinema de Hitchcock encontrar-se-á consubstanciado nesse definitivo plainar de Kelly, a desconstruir o amado a seus próprios olhos.

Dessa forma, será permitido ao fotógrafo obsessivo olhar no espelho do crime e do amor sua própria faceta, como o outro lado do espelho em que tanto se projetava e até residia.

Ele foi, afinal, o precipitador do possível assassinato da namorada. Ou seja, Grace Kelly, ao encarnar o avesso de si mesma, expõe o avesso do amado para o próprio.

Se, até então, víamos quase todo o tempo o que Stewart via de seu prédio é a vez do cinema olhar para o fotógrafo, justamente quando as imagens de Hitchcock buscarão outros focos: exatamente no instante, por exemplo, em que uma solteirona de um outro andar escapa ao suicídio, devido à conclusão de uma composição que um pianista do mesmo prédio tentava a todo custo aprimorar ao longo do filme.


4-Cinema e a música, ou a Herança simbolista em ação


Tal música detém a então solteirona, o que faz com que outros mundos intervenham na ação, trazendo novas perspectivas- menos obsessivas e mais dinâmicas,- conduzidas por um maestro de imagens (Hitchcock) em filiação com a música e o corpo leve e esguio da namorada.

A alquimia de Hitchcock- e de Grace Kelly- desconstrói Stewart, mas o primeiro foi compassivo, salvando-o por um triz.

Tratando-se, a rigor, da possível salvação de um homem, curado agora da doença de espiar, e talvez mais preparado para o mundo do comprometimento, das alianças ou responsabilidades.

Dessa forma (antes, Forma), ideia e matéria consubstanciadas em peso de Gravidade- James Stewart, atormentado e culposo- e Graça: Grace Kelly, deixam as marcas nesse filme brilhante, com aparência de policialesco.

Um momento em que os rastros musicais dos artistas simbolistas são incorporados por uma arte de entrecruzamentos expressivos, fazendo-se a um tempo clássica e moderna.

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