quinta-feira, 14 de julho de 2011

Parte de um histórico da crítica de cinema-1






"Nada autorizava a priori a cinefilia desempenhar esse papel de instância de legitimação cultural, nem de uma autoridade intelectual que outros detinham muito mais em Paris- os cinéfilos são geralmente autodidatas situados fora da cultura literária, filosófica ou universitária,- nem de uma influência econômica qualquer ou política.

Aprender a ver é construir uma representação de mundo em que a vontade e a prática germinam. Portanto, a cinefilia viu filmes que viam a si próprios, ou até mesmo a viam. E , aprendendo a partir dessa aprendizagem, ela, por sua vez, compreendeu como olhar, como fazer filmes.

É possível demonstrar esse duplo jogo criador a partir de alguns filmes. Em primeiro lugar, "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, ou como, ao aprender a ver um outro filme-olhar, a crítica inventou um cinema.

" Em Janela Indiscreta", o outro lado do pátio, ali onde incide o olhar de James Stewart, deve ser considerado a tela de projeções múltiplas de um herói fisicamente deficiente", escreve Claude Chabrol em abril de 1955, inscrevendo assim o filme na proliferação dos olhares.

Pois "Janela Indiscreta" é o conto de fadas do olhar, em que um homem, ajudado por uma refinada voyeuse (Grace Kelly), encorajado pelo próprio Hitchcock, vê o mundo com tal intensidade que acaba por produzir na realidade o que esse olhar parece ter inventado num primeiro estágio- no caso, um crime.

O olhar aqui é "onipotente" (gripo meu): o de Stewart inventa uma história ( a trama), o de Hitchcock uma forma ( a mise en scène), o do espectador, do crítico, um filme ( é ele que faz o elo entre uma e outra). Ao ver dessa maneira um filme, a crítica inventa um cinema ( assim como James Stewart inventa uma história, personagens, uma encenação, pela acuidade de seu olhar projetando-se do "outro lado do pátio").

Segundo André Bazin: " Eles se detêm tanto na mise em scène porque em larga medida veem nela a própria matéria do filme, uma organização das criaturas e das coisas que é ela mesma o sentido, tanto moral quanto estético".

( Antoine de Baecque)

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