domingo, 24 de julho de 2011

Lucidez



Iria postar, por aqui, algo sobre cinema, mas, alucinado, deparei-me com um texto quase emergencial, em que o autor consegue escrever com extrema precisão a respeito de algo pensado por esse inepto bloguista. Sobre o qual não conseguiu escrever...

Com a permissão de Afonso Romano de Sant' Anna


"Pseudoimbecilidade e Pseudointeligência"


As crianças criam a “pseudoimbecilidade” como forma de se defenderem. Fazem-se passar por estúpidas quando estão num contexto que não podem nem aceitar nem modificar. Leio isso no livro A ambiguidade, de Simona Argentieri, que sairá brevemente no Brasil.

Serão só as crianças?

Paro a leitura e penso. O que isso teria a ver com o conceito de “servidão voluntária” de que falava, há mil e quinhentos anos, o filósofo Boethius, no decadente Império Romano? Tem gente que aceita silenciar, se moldar, ser subalterno ou se comporta como os animais que se mimetizam com o ambiente para não serem notados. É um tipo de esperteza, esperteza que consiste em parecer estúpido.

Como variante disto, penso também na questão das pessoas que se inserem numa ideologia que está na moda. É uma maneira de se exibir usando uma carapaça charmosa. E isso me leva logo a uma outra categoria que poderíamos criar — a do “pseudointeligente”.

Uma pessoa pode, por exemplo, passar por “inteligente” nos meios acadêmicos e nos bares simplesmente recitando o receituário de uma certa filosofia ou de um autor que entrou na moda. Pode passar por alguém que está “por dentro” quando, na verdade, ou seja, é um parasita da ideologia dominante.

Se o “pseudoimbecil” se retrai ocultando a sua verdadeira opinião, como casca, para se defender (mecanismo que Winnicott estudou), o segundo avança criando uma máscara de falso ajustamento, e quando sozinho, não sabe o que fazer da angústia e da insatisfação que esse comportamento deixa residualmente.

Os regimes autoritários, as inquisicões, as patrulhas ideológicas obrigam o indivíduo a esconder sua verdadeira opinião. Realmente, é um risco desafinar no “coro dos contentes”. Alguns perdem a cabeça, o emprego, o espaço nos jornais.

A “pseudointeligência”, que é uma maneira sábia de ser covarde, nos leva a consumir o que está na ordem do dia, seja a moda, a roupa, a música, a arte e até a comida. Os argumentos usados, já que são gerados por um “falso ego” — o da máscara — repetem a vulgada, o discurso alheio. Poder-se-ia dizer que, neste caso, são pessoas que não têm “redação própria” ou “autonomia de voo”.

A coisa é tão complexa e sutil e, às vezes, tão paradoxal que a cultura contemporânea tem incentivado a “pseudointeligência” de formas novas. A ascensão das nulidades, o culto ao mercado, a necessidade de seduzir as classes C, D e E estão embaralhando não só sujeitos e objetos, mas sobretudo os conceitos".

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